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“Minimis”: EUA começam a cobrar sua “taxa da blusinha” – um duro golpe no e-ecommerce

- 29/08/2025 5 Visualizações 5 Pessoas viram 0 Comentários
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O que antes era considerado incômodo demais para ser regulado pelos Estados Unidos tornou-se uma força econômica grande demais para ser ignorada.

Entrou em vigor nesta sexta-feira (29) o fim de uma regra comercial americana em vigor desde a década de 1930, que permitia a entrada de mais de um bilhão de pequenos pacotes por ano no país. Com isso, ganhadores e perdedores já começam a surgir, enquanto o aumento de burocracia, custos e tempo afeta o comércio eletrônico global — em mais um capítulo da reconfiguração do comércio internacional promovida pelo presidente Donald Trump.

Desde 2016, o limite para a isenção tarifária, conhecida como “de minimis” (do latim, “pequeno demais para importar”), era de US$ 800 — um patamar elevado para os padrões globais. O número de pacotes isentos de impostos que entraram nos EUA disparou, atingindo quase 1,4 bilhão em 2024, um salto de 600% em uma década, segundo a Alfândega dos EUA (CBP). Estima-se que pelo menos três quartos dessas encomendas vieram da China, com destaque para Shein e Temu.

O modelo caiu no gosto dos americanos durante a pandemia: produtos baratos, com entrega rápida direto da fábrica. Mas a enxurrada de pacotes acendeu alertas em Washington — desde a concorrência desleal com pequenos negócios locais até o risco de entrada de drogas como o fentanil ou produtos oriundos de trabalho forçado.

“Há, de fato, apoio bipartidário”, disse Greg Husisian, chefe da área de comércio internacional do escritório Foley & Lardner, em Washington. “A ideia era facilitar o envio de um pacote de brinquedos de US$ 80 da avó, não permitir que uma empresa chinesa envie dezenas de milhares de camisetas de US$ 12 por dia.”

Os planos para endurecer as regras começaram ainda no governo Biden. Trump concretizou a mudança em maio, ao eliminar a isenção para produtos originários da China e de Hong Kong. Antes disso, cerca de 4 milhões de pacotes isentos chegavam aos EUA por dia; agora, esse número caiu para aproximadamente 1 milhão, segundo um alto funcionário da Casa Branca.

Com a nova regra, pacotes de outros países também passaram a ser tributados e precisam acompanhar documentação alfandegária.

A medida representa uma nova fonte de receita para o governo dos EUA, mas às custas de empresas e consumidores, que arcarão com os novos encargos.

O Escritório de Orçamento do Congresso (CBO) estimou em 2024 que o fim da isenção apenas para produtos da China renderia mais de US$ 23,5 bilhões em tarifas e taxas alfandegárias adicionais ao longo de uma década. Até esta terça-feira (27), a CBP já havia arrecadado mais de US$ 492 milhões com pacotes que antes entrariam sem imposto, segundo um funcionário do governo.

De olho nessa fonte extra de arrecadação, outros países acompanham o caso americano como teste. A União Europeia estuda eliminar sua isenção de € 150 (US$ 175), enquanto o Reino Unido avalia seu limite atual de £135 (US$ 182).

Impacto nas exportações

Vendedores internacionais devem sentir os efeitos em breve.

“Essas medidas podem ameaçar setores exportadores voltados ao consumidor e desestimular pequenas e médias empresas a venderem para os EUA”, alertou a Câmara Britânica de Comércio em nota publicada nesta semana. “Empresas acostumadas a exportar sem barreiras enfrentarão custos permanentemente mais altos.”

Entre os que comemoram a mudança está Jim Tuchler, dono da GiftsForYouNow.com, loja da região de Chicago. Ele viu suas vendas despencarem nos últimos anos por causa da concorrência de vendedores desconhecidos em plataformas como Amazon e eBay.

Esses concorrentes pareciam operar diretamente de fábricas chinesas, oferecendo personalização de produtos com margens que ele classificou como “inexplicáveis”. Desde que a isenção para a China acabou, Tuchler afirma ter notado uma melhora nas vendas.

“Mesmo com o aumento dos preços, o volume de pedidos e de unidades vendidas está maior do que no ano passado”, afirmou.

Mas para a engrenagem do comércio global, a transição tem sido conturbada. Pacotes enviados por correio passam a ser tributados com base na tarifa vigente para o país de origem da mercadoria.

Outra possibilidade é o pagamento de uma taxa fixa de US$ 80 a US$ 200 por item, calculada segundo a tarifa recíproca imposta por Trump ao país exportador. Essa alternativa, porém, só está disponível por seis meses e tende a ser mais cara.

Mais de duas dezenas de agências postais nacionais suspenderam o envio de pacotes aos EUA, alegando falta de clareza da CBP sobre como atender às exigências de documentação e pagamento.

“Essas suspensões continuarão até que haja mais informações sobre como as autoridades americanas operacionalizarão essas medidas, bem como a implementação efetiva das mudanças exigidas”, informou a União Postal Universal, agência da ONU, em comunicado.

A CBP afirmou ter uma estratégia abrangente para garantir a aplicação da nova regra e que vem trabalhando com transportadoras e parceiros comerciais para reduzir o impacto da mudança.

Transportadoras comerciais

Produtos enviados por empresas privadas, como FedEx e UPS, também estão sujeitos a todas as tarifas aplicáveis, incluindo aquelas por setor e por país de origem.

Desde o fim da isenção para China e Hong Kong, transportadoras como UPS e FedEx relataram queda no volume de pacotes entre EUA e China em balanços recentes — afetando uma das rotas mais lucrativas das empresas.

As companhias afirmaram que estão se adaptando, inclusive com a cobrança de taxas extras para lidar com a burocracia alfandegária e os pagamentos de tarifas.

“Já lidamos com volatilidade antes”, disse Mike Parra, CEO da DHL Express Europe, em entrevista este mês. “Essa também vai passar, e o fato é que vamos nos adaptar.”

Mudança de rota

É esse tipo de adaptação que move a Mondo Cattolico, loja de artigos religiosos localizada em frente à Basílica de São Pedro, em Roma. O estabelecimento, que vende terços, velas e colares com crucifixo a turistas de todo o mundo, tem visto crescer a fatia das vendas feitas diretamente para consumidores americanos via internet.

Segundo Fabrizio Enea, gerente de vendas online, a maioria dos pedidos enviados aos EUA gira entre US$ 100 e US$ 200. “Até o fim do de minimis, conseguíamos enviar sem que os clientes tivessem de pagar tarifas ou taxas adicionais.”

Agora, a loja elevou os preços em 20% para cobrir os novos custos — entre eles, tarifas, frete mais caro e taxas alfandegárias. Ainda assim, segundo Enea, a medida compensa para manter a agilidade nas entregas e evitar que os clientes arquem com as cobranças diretamente.

Pedidos suspensos

A interrupção nos serviços postais levou empresas do mundo inteiro a dispararem comunicados a clientes nos EUA, avisando sobre atrasos e aumento de preços.

“A marca dinamarquesa ‘Knitting for Olive’ foi a mais recente a anunciar que não pode mais enviar pequenos pedidos para os EUA, gerando pânico entre os fãs americanos”, escreveu Danielle Romanetti, dona da loja de fios Fibre Space, na Virgínia, em e-mail a clientes na semana passada.

Embora diga que seu estoque está abastecido, Romanetti teme o impacto mais amplo no setor e no senso de comunidade que o comércio online proporciona. Frequentemente, ela descobre novas marcas por meio de clientes que compram diretamente de países como Dinamarca, Espanha e Peru.

Menos opções para o consumidor

A FloraSense, sediada em Chicago, vende sensores conectados por aplicativo que monitoram plantas e avisam sobre necessidade de água ou luz. O CEO Aabesh De afirma que, apesar de importar a maioria dos produtos em grandes volumes, o fim da isenção para produtos chineses já afetou seus planos de expansão e inovação.

De também aponta o impacto de outras tarifas que já haviam levado a empresa a cortar 20% da equipe, por causa das margens apertadas.

O fim da isenção também compromete a variedade de produtos disponíveis aos consumidores.

Antes, era possível lançar um item novo — como luvas de jardinagem — enviando poucas unidades direto da fábrica ao cliente. Sem o de minimis, De diz que precisou cortar 75% dos lançamentos planejados para o próximo ano.

©️2025 Bloomberg L.P.




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