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“Monstros dos relógios”: Tiffany irrita clientes ricos que queriam comprar Patek raro

- 20/07/2025 2 Visualizações 2 Pessoas viram 0 Comentários
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Os vendedores da Tiffany chamavam esses clientes de “monstros dos relógios”. Eram os obsessivos, os compradores ricos que tinham certeza de que deveriam estar entre os poucos escolhidos para colocar as mãos em um raro relógio da Patek Philippe.

Eles chegaram à Tiffany & Co. há alguns anos, quando a joalheria começou a oferecer uma edição limitada do Patek Philippe Nautilus 5711 com mostrador na cor azul ovo de robin, assinatura da Tiffany. A Patek fabricou 170 unidades, em homenagem aos anos de parceria entre as marcas. A esperança da Tiffany era que o relógio chamasse atenção e atraísse compradores de alto padrão que ainda não eram clientes regulares.

No entanto, o Blue Dial — como ficou conhecido — nunca esteve à venda no sentido tradicional. A demanda era tão alta que executivos da Tiffany, incluindo Christopher Kilaniotis, chefe das Américas, perceberam que os clientes estariam dispostos a gastar milhões em outras joias para ter a chance de comprar o cobiçado relógio, que custava US$ 52.635. Os vendedores foram instruídos a direcionar os melhores clientes a gastar entre US$ 2 milhões e US$ 3 milhões, segundo pessoas familiarizadas com a estratégia. Não havia lista oficial de espera nem garantias.

“Todo mundo queria aquela peça”, disse Oliver R. Müller, consultor de relógios de luxo na Suíça. “Com pessoas ricas, se você diz que elas não podem ter algo, elas querem ainda mais. Isso é a psicologia dos bilionários.”

Quando o Blue Dial chegou, o desejo dos compradores por relógios de luxo estava em alta, em meio a uma mania de compras na pandemia. O relógio virou um dos objetos mais comentados no mundo do luxo.

Para a Tiffany, o momento era oportuno. A joalheria estava há pouco mais de um ano sob o comando da LVMH, que a comprou por US$ 16 bilhões em 2021. A maior aquisição do setor de luxo até então mostrava as grandes ambições da LVMH para a Tiffany, uma marca americana querida, mas que já dava sinais de cansaço. As vendas da Tiffany cresceram 4% nos cinco anos até janeiro de 2020, bem abaixo do salto de quase 60% no período anterior, segundo dados da Bloomberg.

Mas o que começou como uma celebração da parceria entre joalheria e relojoaria se transformou em um alerta: a exclusividade, se mal gerida, pode apagar o brilho do luxo.

Desde o lançamento do Blue Dial, a Patek Philippe fechou três das quatro boutiques que mantinha dentro das lojas Tiffany, em meio a uma consolidação maior. A relação desgastada entre as duas marcas ainda afeta a receita da Tiffany e é uma das razões pelas quais os vendedores têm dificuldade para atingir metas em lojas onde as boutiques da Patek foram fechadas, segundo pessoas próximas ao assunto.

Os detalhes de como a Tiffany irritou muitos colecionadores apaixonados nunca haviam sido divulgados e foram obtidos em entrevistas com quase duas dezenas de pessoas que pediram anonimato para falar sobre assuntos privados.

A assessoria de imprensa da Tiffany não comentou o caso, e Kilaniotis e o CEO Anthony Ledru não responderam a pedidos de entrevista. A LVMH informou recentemente a analistas e investidores que as mudanças na Tiffany, incluindo foco na coleção Icons e reformas luxuosas nas lojas, estão dando resultados.

“Estamos vendo um progresso muito bom no plano de transformação da Tiffany”, disse Cécile Cabanis, CFO da LVMH, em teleconferência de resultados em abril.

A Tiffany é a maior responsável pela receita da divisão de joias e relógios da LVMH, que inclui marcas como Bulgari e Tag Heuer. Para o trimestre mais recente, analistas consultados pela Bloomberg preveem queda de 1% na receita da divisão em relação ao ano anterior.

A Patek não comentou sua relação com a Tiffany nem sobre a venda dos relógios.

Em entrevista ao New York Times em dezembro de 2021, o presidente da Patek, Thierry Stern, já antecipava problemas. Ele disse que os executivos da Tiffany “podem não perceber o quão difícil será escolher os clientes” para o Blue Dial.

A lógica da Tiffany era simples: se dois terços dos Blue Dials gerassem US$ 2,5 milhões em vendas de joias cada, a empresa poderia faturar quase US$ 300 milhões. Os vendedores poderiam ganhar comissões de até US$ 100 mil por transação.

Quando a febre começou, ex-funcionários disseram que foram instruídos a não colocar o acordo informal por escrito, para não dar a impressão de que comprar joias garantia o relógio. A decisão ficava a critério dos executivos da Tiffany, e o processo era confuso, segundo essas fontes.

Isso gerou problemas no relacionamento com os clientes. Alguns “monstros dos relógios” gastaram fortunas em joias e saíram de mãos vazias. Clientes antigos da Tiffany e Patek reclamaram que suas compras anteriores não foram consideradas. E até quem conseguiu comprar o Blue Dial ficou irritado ao ver o relógio ser vendido no mercado secundário por preços cada vez menores.

Em novembro de 2023, uma cliente processou a Tiffany por problemas na compra de quase US$ 4 milhões em joias, alegando que nunca recebeu um colar de diamantes amarelos feito sob encomenda. Embora o Blue Dial não tenha sido citado no processo, fontes dizem que a cliente comprou joias em parte para conseguir o relógio, que ela recebeu. O caso foi resolvido em agosto.

Outro cliente disse que foi convidado a gastar US$ 5 milhões para ter direito ao relógio e, revoltado, vendeu vários Patek comprados na Tiffany em protesto. Ele não comprou o Blue Dial e não frequenta mais a joalheria.

Um empresário da região triestatal que comprou o Blue Dial disse ter gasto mais de US$ 2 milhões em joias acreditando que isso o tornaria elegível para o relógio. Ele contou que os vendedores pediram para manter o valor em segredo, pois a Tiffany pedia quantias diferentes para clientes diferentes.

A reação negativa foi tão grande que a Tiffany permitiu que alguns compradores devolvessem as joias adquiridas na esperança de conseguir o relógio — uma exceção à política usual de não aceitar devoluções de itens acima de US$ 75 mil.

A Patek, que é uma empresa familiar, disse que o fechamento das boutiques foi parte de uma consolidação global, mas ex-funcionários afirmam que a frustração da Patek com a forma como a Tiffany lidou com o Blue Dial foi um dos motivos.

Vender mais para clientes que gastam milhões em joias e relógios era parte da estratégia da LVMH para impulsionar o crescimento da Tiffany, segundo o CEO Bernard Arnault e outros executivos.

No entanto, alguns clientes migraram para concorrentes como a Cartier. Enquanto a joalheria suíça aumentou sua participação global em vendas de luxo, a Tiffany perdeu um ponto percentual desde 2022, ficando com 11%, segundo a Euromonitor International. As vendas da divisão de joias e relógios da LVMH ficaram estáveis nos últimos dois anos, enquanto a divisão da Richemont, que inclui a Cartier, cresceu 14% no mesmo período.

O Blue Dial simbolizava o fim de uma era: seria o último modelo da linha 5711 da Patek, que estava sendo descontinuada. Também marcou o início da era LVMH na Tiffany. “Este foi meu pequeno presente para parabenizar a compra da Tiffany”, disse Stern à CNBC em 2021.

Como a Patek tem poucas lojas, dependia da Tiffany para vender seus relógios — uma relação simbiótica que dura mais de 150 anos. A joalheria é uma das poucas varejistas autorizadas a vender Patek nos EUA. Alguns relógios vendidos na Tiffany trazem o selo das duas marcas, um detalhe muito valorizado pelos colecionadores.

À medida que a demanda crescia, funcionários da Tiffany diziam a alguns clientes que eles estavam em uma “lista de desejos”. Ex-funcionários afirmam que evitavam usar o termo “lista de espera” para não lembrar os clientes, muitos deles bilionários acostumados a conseguir o que querem, que estavam, na verdade, esperando.

No início de 2022, fotos de celebridades como Jay-Z, LeBron James, Mark Wahlberg e Leonardo DiCaprio usando o Blue Dial começaram a circular, o que gerou ainda mais desejo pelo relógio. Eles conseguiram o relógio rapidamente, o que desagradou alguns dos “monstros dos relógios”, segundo ex-funcionários.

No setor de luxo, condicionar a venda de um produto à compra de outros é conhecido como “bundling” ou “venda casada”. Como os relojoeiros definem os preços que os varejistas podem cobrar, e alguns modelos são vendidos abaixo do valor que os clientes pagariam, o bundling é uma forma de estimular a demanda por joias.

No entanto, os varejistas evitam falar sobre a prática, pois os relojoeiros a consideram desagradável e contrária aos acordos com as lojas, segundo Eric Wind, especialista em relógios vintage.

Há uma certa hipocrisia, diz Wind. Os relojoeiros muitas vezes incentivam os clientes a comprar relógios menos desejados para, depois, conseguir o modelo dos sonhos. “Você compra esses três Patek e tem mais chances de conseguir aquele Patek mais desejado.”

Os joalheiros argumentam que recebem poucas unidades de relógios de luxo para vender a cada ano, apesar das longas listas de espera, e precisam criar critérios para distribuir os relógios, geralmente baseados no histórico de compras.

Essa prática gera ressentimento.

Em 2023, um cliente processou uma joalheria na Califórnia, alegando que um vendedor o incentivou a gastar mais de US$ 168 mil em três relógios Patek que ele não queria e a comprar uma pulseira de diamantes de US$ 53 mil para ter a chance de comprar um Patek Philippe 5980/1R-001 que realmente desejava. Ele nunca recebeu o relógio e pediu ao tribunal para encerrar o processo sem possibilidade de reabertura. Advogados não comentaram o desfecho.

Em 2024, dois clientes processaram a Hermès, alegando que a marca exigia a compra de outros produtos para poder comprar uma bolsa Birkin. A Hermès pediu a um juiz que rejeitasse a ação, afirmando que não exige compras prévias para a Birkin.

Em abril de 2022, muitos amantes de relógios receberam um convite para um evento exclusivo da Tiffany em Miami, para vender suas joias mais caras. O evento ocorreu meses após um Blue Dial ser vendido por cerca de US$ 6,2 milhões em um leilão beneficente — mais de 100 vezes o preço original. Enquanto colecionadores experientes consideram esses leilões mais marketing do que demanda real, outros viram o preço como prova de que o relógio era um investimento seguro.

Em Miami, executivos da Tiffany disseram aos funcionários que os clientes precisavam gastar pelo menos US$ 2 milhões para serem elegíveis para comprar o Blue Dial, mas alertaram para não dar a impressão de que a compra de joias garantia o relógio.

Os principais clientes foram hospedados em hotéis cinco estrelas em Miami, com todas as refeições pagas durante a estadia de dois a três dias. Houve também coquetel e jantar de gala.

Os clientes que esperavam pelo Blue Dial compraram joias milionárias, segundo fontes. Eles perguntavam aos vendedores se gastar US$ 1 milhão em um anel e US$ 2,5 milhões em um colar garantiria o relógio. As vendas superaram as expectativas, estabelecendo um recorde para esse tipo de evento.

A promessa da era LVMH na Tiffany parecia se concretizar.

Mas a situação piorou, segundo relatos. Alguns clientes que gastaram milhões no evento e nas semanas seguintes não tiveram a chance de comprar o relógio. Mesmo alguns compradores ficaram frustrados com a longa espera.

Em novembro de 2022, alguns relógios começaram a ser vendidos no mercado secundário. Um foi arrematado por cerca de US$ 3,2 milhões em leilão da Christie’s. Em maio de 2023, outro por cerca de US$ 2,5 milhões. Em maio de 2024, um foi vendido por US$ 1,2 milhão em leilão online.

Recentemente, as vendas do Blue Dial giram em torno de US$ 1,2 milhão, segundo dados do WatchCharts.

A Tiffany deveria ser rigorosa na seleção dos compradores para evitar que revendesse os relógios, segundo ex-funcionários. A Patek apresenta seus relógios como obras de engenharia e design suíço para serem apreciados, não como investimentos para revenda. Para alguns clientes, ver a queda no valor dos relógios revendidos foi a gota d’água. Alguns reclamaram diretamente à Patek Philippe.

Apesar da frustração com a venda casada, a Tiffany ainda incentiva alguns clientes a comprar joias para aumentar as chances de conseguir outros modelos de Patek vendidos na loja de Nova York.

Charlie Ho, anestesiologista da região de Boston, visitou a loja principal da Tiffany em Manhattan em dezembro de 2024 para comprar um modelo Patek Philippe 5396R em ouro com o selo da joalheria. Embora não seja tão raro quanto o Blue Dial, ainda é cobiçado.

Segundo Ho, um vendedor disse que poderia demorar para receber o relógio desejado e sugeriu que comprar joias na Tiffany poderia acelerar o processo.

Mas Ho já passou por isso antes — há cerca de dez anos, executivos da Ferrari disseram que, se ele comprasse vários carros esportivos, teria chance de conseguir um modelo especial que desejava. Ele comprou cinco Ferraris, mas nunca conseguiu o modelo desejado.

Ho diz que vai esperar o tempo que for necessário para conseguir o Patek que quer ou comprá-lo no mercado secundário, mas não gastará dinheiro em joias para isso.

“Não quero mais jogar esse jogo”, afirmou.

© 2025 Bloomberg L.P.




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