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Economia

“O governo merece descrença, o país não”, diz o economista Marcos Lisboa

- 22/01/2025 1 Visualizações 1 Pessoas viram 0 Comentários
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A insegurança que vemos no mercado financeiro nos últimos tempos não veio de graça, segundo o economista Marcos Lisboa. Para ele, as decepções se acumulam desde o início do terceiro mandato de Lula na Presidência. 

“Os investidores apostaram muito no Brasil. Houve um grande otimismo de que ia ser um governo fiscalmente comprometido com a sustentabilidade das contas públicas, que iria reproduzir o primeiro governo Lula, de juros para baixo e câmbio controlado. Deu errado”, afirmou Lisboa ao InfoMoney durante painel no evento Onde Investir 2025.

Lisboa entende bem as divergências entre Lula 1 e Lula 3. O economista brasileiro foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre os anos 2003 e 2005. Durante o período eleitoral de 2018, chegou a ser cotado como ministro da Fazenda, caso Fernando Haddad (PT) tivesse sido eleito.

O economista afirma que vê muito potencial no Brasil, mas que há problemas de curto e longo prazo para serem resolvidos antes que o país possa, de fato, avançar e ter um crescimento sustentável. “Entendo o pessimismo. Talvez tenha sido o custo de ter acreditado no começo, agora tão errando do outro lado, na descrença com o país. O governo merece descrença, o país não”, diz.

Leia a entrevista completa de Marcos Lisboa ao InfoMoney

InfoMoney: O senhor tem dito que o investidor está desistindo do Brasil e talvez valha a pena a gente entender as razões. O que exatamente está repelindo o investidor neste momento? 

Marcos Lisboa: No curto prazo os dados da economia são muito bons. Atividade, emprego, isso vem desde a pandemia. No último governo, a economia já havia melhorado e continua nesse governo. O problema é a perspectiva de futuro. A gente tem um país cuja dívida só cresce. 

Os investidores apostaram muito no Brasil, apostaram muito nesse governo. Houve um grande otimismo que ia ser um governo fiscalmente comprometido com a sustentabilidade das contas públicas, que iria reproduzir o primeiro governo Lula, que foi de juros para baixo e o câmbio controlado. Deu errado.

No primeiro ano de mandato o câmbio já começou a subir, a curva de juros começou a abrir. Isso levou a imensas perdas para os investidores, que desde o ano passado começaram a sair do Brasil. O desafio agora é construir as condições para que os investimentos voltem para o país. 

IM: E qual é o caminho para que essas condições estejam novamente disponíveis? 

ML: Primeiro, o Brasil tem problemas de longo prazo e de curto prazo. No curto prazo, o emergencial é garantir que o fiscal não saia de controle. 

Como é que o setor público vai pagar a sua dívida? Vai servir a inflação? É uma maneira que o Estado utiliza com frequência para pagar as suas dívidas. Só que é uma maneira disfuncional. Vai garantir um menor crescimento do gasto público para equilibrar as suas contas? E veja bem, a discussão aqui não é cortar gastos ou não. No Brasil não tem como cortar gastos de maneira relevante. Esse não é um debate no Brasil. Até porque o nosso sistema legal limita muito o quanto de ajuste fiscal pode ser feito via corte de gastos. 

A discussão no Brasil é se vamos limitar o crescimento do gasto ou não. Se limitar o crescimento do gasto, você pode ter uma trajetória de juros para baixo. Seria muito saudável para o Brasil por não ter pressão inflacionária. E uma perspectiva de maior crescimento a médio prazo.

IM: O arcabouço fiscal, da forma como foi estabelecido e as metas que ele prevê de resultado primário. Foi isso que não deu certo?

ML: O arcabouço não para de pé. Isso a gente sabia desde o começo. Acho que foi antes de sair a lei, quando saiu só o powerpoint do arcabouço, a gente fez as contas e falou: isso aqui não para de pé. Não tem como. Um ano depois o ruído veio, mas era o ruído de novo. 

Eu acho que muitos investidores desprezaram tanto o descontrole que veio com a PEC da Transição e com os problemas que ela trouxe, com o que veio a reboque de carona no fim do teto de gastos, que deram o benefício da dúvida quando o arcabouço não parava de pé. Eu lembro de amigos virem conversar comigo e falarem assim. ‘Não, Marcos, o governo vai dar um jeito’. Foi um momento de tamanho otimismo do governo, dos investidores, que o pessoal jogou as contas de escanteio. O diabo é que a realidade acontece. 

Quando veio o encontro com a realidade, a frustração foi enorme. E eu acho que talvez tenha sido maior do que eu esperava. Eu acho que erraram no otimismo, não fizeram as contas direito antes, e agora estão exagerando no pessimismo. O governo tem problemas? Tem. O governo tem uma agenda organizada? Não. Mas o país mudou substancialmente? Não. 

Eu acho que tem um certo exagero com o pessimismo. Entendo o pessimismo. Talvez tenha sido o custo de ter acreditado tão sem fazer conta no começo, mas agora estão errando do outro lado, na descrença com o país. O governo merece descrença, o país não. 

IM: O curto prazo, que é o fiscal, a gente explorou aqui. Mas e o longo prazo? Quais são as condições de longo prazo para que a gente tenha um crescimento sustentável do país? 

ML: O primeiro ponto que o investidor, o empreendedor, tem que levar em conta é que este é um país de alta volatilidade. Nos últimos 40 anos antes da pandemia, o Brasil teve 26 anos de crescimento bom: 3% ao ano. É espetacular? É padrão chinês? Não. Mas 3% ao ano é um bom resultado. Mas também tivemos 14 anos de recessão. Porém, quando a recessão acontece no Brasil, ela é maior do que na média dos demais países, sejam países emergentes, sejam países ricos. Então, o Brasil é um país de sobe e desce. É a vida que a gente tem. Esse é um lado da história.

Agora, se a gente quiser, como país, mudar um pouco esse cenário, aí tem muita coisa a fazer. Você precisa garantir segurança regulatória. Por exemplo, segurança na questão tributária é um tema importante, mas a gente fica mudando. Esse é um país de uma confusão tributária há anos. A insegurança sobre os marcos regulatórios, setor de energia, logística. Tem uma agenda incrível, oportunidades imensas para que o país supere esse histórico de tamanha volatilidade. Mas é um trabalho de longuíssimo prazo, com certeza. 

A gente está vendo o Ministério dos Transportes. O ministro Renan Calheiros Filho e a sua equipe estão fazendo um trabalho notável. Olha o tamanho das concessões. Com um ano de trabalho, olha quanto que eles estão entregando de oportunidade de investimento para o país, que vai gerar ganhos disseminados pela economia. O que está sendo feito nesse aspecto da infraestrutura deveria estar sendo feito, por exemplo, na questão tributária.

A reforma tem problemas graves. Infelizmente, a gente se atrapalhou no fim. Essas medidas de curtíssimo prazo, meio oportunistas, têm sido a prática do sistema tributário brasileiro. De ficar mudando regrinha de supetão, é o que gera essa insegurança. A insegurança que a gente viu nos últimos dias, ela não veio de graça.

IM: O caso da reforma da tributação da renda, que a gente teve anunciado ali junto com as medidas de corte de gastos no ano passado, na sua visão, é um desses casos de oportunismo tributário? 

ML: Tributação sobre renda é um problema técnico gigantesco no mundo. Já a tributação sobre consumo é um imposto muito simples, em que a gente criou um problema de graça. Aquela história do cara que atravessa a rua para escorregar na casca de banana. O que me preocupa é que a gente fica com uma discussão oportunista sobre lucros e dividendos que não pagam imposto, o que é uma mentira. 

O dividendo é o lucro distribuído para os acionistas depois dos impostos, que nem o salário que a gente recebe, a tributação foi recolhida na fonte. Nas empresas de lucro real, que são as grandes empresas, você tem alíquotas efetivas que é na faixa de 25%. Pouco mais, pouco menos.

Mas no Brasil a gente confunde o tamanho da empresa com o tamanho do acionista. Tem grandes empresas que têm como acionistas fundos de pensão. Os  fundos de pensão são pequenos cotistas, aposentados e costumam ser os maiores investidores. Pega os fundos de servidores públicos, de empresas de capital misto como o Banco do Brasil ou empresas públicas como a Caixa Econômica Federal. Esses fundos são gigantescos, mas seus cotistas são pequenos.

IM: Então, essa distorção ainda não foi enfrentada? 

ML: Investidor pequeno, empresa grande. Esse é um segredo do mercado de capitais, é um segredo do crescimento dos países que deram certo. Por outro lado, eu posso ter empresas relativamente pequenas, que faturam R$ 30 milhões, R$ 40 milhões no setor de serviços, mas que tem dois sócios, três sócios. Você não pode confundir o tamanho da empresa com o tamanho do acionista, mas a gente faz isso no Brasil: a grande empresa eu vou tributar muito, mas essa empresa de R$ 40 milhões, R$ 50 milhões vai ter uma tributação muito reduzida.

Isso gera uma distorção na tributação brasileira muito grande. Fora isso, o que me preocupa é que nessa discussão polarizada a gente deixa de cuidar da parte técnica da tributação sobre a renda, que é incrivelmente complexa. É uma dor de cabeça em qualquer país do mundo.

O Brasil não tem pouca multinacional à toa. Uma das dificuldades do nosso país, que não tem grandes empresas internacionais que fazem sucesso em outros países, é porque o nosso regime tributário é muito torto. E a minha preocupação é que a gente continue sendo um país mais pobre desnecessariamente, pela incompetência técnica e pela polarização em temas que podiam ser discutidos com mais profundidade, com mais cuidado, entendendo o aspecto técnico mais adequadamente do que a gente faz.




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