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Economia

Americanas (AMER3): como os analistas veem as ações após a varejista admitir e detalhar a fraude contábil

- 15/06/2023 15 Visualizações 15 Pessoas viram 0 Comentários

A Americanas (AMER3) voltou aos holofotes dos investidores nesta semana, após divulgar relatório de assessores jurídicos que a levou a afirmar pela primeira vez desde janeiro que houve uma “fraude contábil” na empresa, abandonando o termo usado até então de “inconsistência contábil” de antigos relatórios.

Na terça-feira (13), sessão após a divulgação das notícias – e também impactada sobre rumores em relação ao aporte de capital dos acionistas de referência da companhia – as ações chegaram a saltar 19%. Elas amenizaram os ganhos, mas ainda assim fecharam em alta de cerca de 6%.

Analistas destacaram que as notícias de evolução nas investigações sobre a fraude acabaram sendo precificadas como uma possível “virada de página” para a companhia em breve. O fato relevante sobre a fraude  divulgado na terça mostra que os responsáveis pela crise estão, mesmo que lentamente, sendo encontrados e identificados (ainda que haja um longo caminho pela frente).

Porém, a falta de visibilidade sobre os próximos passos segue sendo um fator importante e que leva os analistas de mercado a não recomendarem a ação.

A Genial Investimentos aponta que a companhia, conforme ela mesma ressaltou, deve divulgar os dados financeiros auditados até o fim de agosto deste ano – juntamente com o resultado do 4º trimestre de 2022. Dado a indevida contabilização das operações de financiamento, não se pode conhecer o verdadeiro grau de endividamento da companhia, avalia.

“A falta de demonstrações financeiras que reflita a atual realidade patrimonial da companhia nos deixa restritos em elaborar projeções e fluxo de caixa para Americanas. Não efetuaremos recomendações aos investidores até termos plena ciência desses dados”, apontam os analistas da casa.

Na mesma linha, a Levante Corp. apontou que segue à espera da divulgação dos resultados da companhia e reforça que a cobertura para AMER3 segue em revisão, devido à falta de visibilidade a respeito dos reais impactos financeiros referentes ao rombo contábil da empresa. A XP também apontou manter a sua cobertura sob revisão, pela falta de visibilidade quanto aos impactos financeiros relacionados às inconsistências contábeis da companhia.

O que se sabe sobre a fraude contábil?

Mais detalhes agora sobre a assumida fraude foram divulgados tanto no fato relevante da companhia, citando relatório de assessores jurídicos, quanto por meio de declarações do atual diretor-presidente da varejista, Leonardo Coelho, em Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados sobre a Americanas.

Segundo o relatório apresentado, as demonstrações financeiras da varejista vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior, que teria aplicado esforços para ocultar do Conselho de Administração, e do mercado em geral, a real situação de resultado e patrimonial da empresa.

Conforme destaca a Genial, essa é uma fraude complexa e que aos poucos começa a ganhar forma. Como era uma operação se mantinha “artificialmente em pé”, o lucro e o caixa foram artificialmente inflados pelas operações de risco sacado.

Mediante a criação de contratos de verba de propaganda cooperada (VPC) sem lastros financeiros, a companhia conseguia reduzir artificialmente o seu custo de mercadoria vendida, inflando os seus resultados operacionais através de contratos falsos.

A Americanas contabilizava o recebimento de verbas sem nunca ter recebido esses recursos de seus fornecedores.

Com um lucro fictício, a companhia precisava sustentar a “criação” de caixa através de empréstimos bancários, e é aqui que entra o “risco sacado” (ou forfait) – cuja existência e relevância era negada pela companhia até janeiro deste ano.

O “risco sacado” é uma operação comum na indústria brasileira. Contudo, simultaneamente às operações fictícias de VPC, a Americanas contabilizava o forfait, inadequadamente, como uma conta redutora de fornecedores, dentro do balanço patrimonial.

Os lançamentos, realizados durante um longo período, atingiram, em números preliminares e não auditados, o total de R$ 21,7 bilhões ao final de setembro do ano passado, conforme destaca a Levante Corp.

A diretoria anterior teria contratado diversos financiamentos nos quais a empresa é devedora perante instituições financeiras, sem as devidas aprovações societárias, todas contabilizadas de forma inadequada no balanço patrimonial de 30 de setembro de 2022 na conta fornecedores da Americanas, abrangendo operações de financiamento de compras (risco sacado) de R$ 18,4 bilhões e operações de financiamento de capital de giro de R$ 2,2 bilhões.

Foram identificados também lançamentos redutores da conta de fornecedores advindos de juros sobre operações financeiras, que deveriam ter passado pelo resultado da companhia no decorrer do tempo, totalizando R$ 3,6 bilhões ao final de setembro. Como essas operações eram contabilizadas propositalmente de maneira inadequada nos demonstrativos financeiros da companhia, não era possível determinar corretamente o grau de endividamento da Americanas ao longo do tempo.

O relatório também indicou a participação do ex-CEO da companhia, Miguel Gutierrez, dos ex-diretores Anna Christina Ramos Saicali, José Timótheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, e dos ex-executivos Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes.

Mais informações na CPI

Em nota, a defesa de Timotheo Barros rebateu as acusações sofridas pelo executivo.  Para os advogados, as afirmações da empresa “contém inverdades” e os documentos foram mostrados de “forma leviana”.

“O fato relevante informado ao mercado na data de ontem contém inverdades e faz acusações que precisarão ser provadas. No mesmo dia, baseado em documento elaborado de modo parcial para perturbar as apurações, trechos do que seria parte de relatório de investigação feita pelos advogados da empresa (não pelo comitê independente) foram mostrados de maneira leviana em comissão do Congresso Nacional, apresentando meras opiniões de suspeitas como verdades”, diz a nota.

Trechos de trocas de mensagens de Barros foram apresentadas como documentos à CPI da Americanas na terça. Nelas, Barros aparece dizendo que apresentar um endividamento maior ao mercado seria “morte súbita” e também questiona, em outros trechos, como estaria a conversa com os bancos para retirar informações das cartas circularização, usadas pela auditoria.

Durante a CPI, o atual CEO da Americanas, Leonardo Pereira, destacou os documentos com trocas de e-mails que indicam que a diretoria tinha uma versão falsa do balanço da empresa para ser apresentada ao Conselho de Administração e ao mercado. As mensagens também trazem indícios de participação das empresas de auditoria PriceWaterhouseCoopers (PwC) e KPMG na elaboração de documentos com redações favoráveis à empresa.

Os bancos Itaú (ITUB4) e Santander (SANB11) foram apontados como responsáveis por suavizar o texto das cartas de circularização, usadas como parte da auditoria, em relação aos financiamentos para o pagamento de fornecedores conhecidos como “risco sacado”.

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As trocas de e-mail também sinalizam mudanças no texto dos bancos em suas cartas de circularização, a pedido da empresa, para suavizar registros das operações de crédito que eram reportadas de forma errada pela companhia em seu balanço. São apresentadas versões de cartas do Itaú e do Santander.

Em nota, a KPMG afirmou que “por motivos de cláusulas de sigilo e regras da profissão, está impedida de se manifestar sobre casos envolvendo clientes ou ex-clientes da firma”. Também em nota, a PwC disse que “não comenta temas de clientes por questões de confidencialidade e regras de sigilo profissional”.

O Itaú Unibanco declarou que “as cartas de circularização, que são instrumento de apoio aos trabalhos de auditoria, até 2017, traziam o saldo integral das operações de antecipação contratadas por fornecedores, denominadas “risco sacado”. A partir de 2018, após discussões de mercado, a carta de circularização foi restringida para refletir apenas as operações contratadas diretamente pela Americanas, com a exclusão do saldo das operações de antecipação contratadas por fornecedores.

Por outro lado, como medida de transparência, foi adicionado o parágrafo que alertava para a realização de operações de antecipação de recebíveis emitidos contra a Americanas, permitindo que as empresas de auditoria conhecessem sua existência e questionassem sobre seu saldo, caso necessário.

O Santander disse que a própria Americanas ressaltou os “esforços da diretoria anterior para ocultar do mercado a real situação de resultado e patrimonial da companhia”.

“Isso, por si só, comprova taxativamente que a única e exclusiva responsabilidade pelas ‘inconsistências contábeis’ é da Americanas, por intermédio da sua antiga diretoria. O Santander acrescenta que as cartas de circularização são apenas uma entre muitas fontes de auditoria e que sempre informou integralmente todos os saldos das operações da companhia no Sistema Central de Risco, mantido pelo Banco Central, que inclusive poderia ser fonte de auditagem”, afirmou o banco.

Quanto ao suposto envolvimento do Conselho de Administração e dos acionistas de referência da companhia (Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira), Coelho afirmou na CPÍ não haver provas. “Documentos a que temos acesso hoje não mostram envolvimento de acionistas”, disse.

Ele apontou que os resultados inflados da companhia geraram pagamento de dividendos aos acionistas da companhia, inclusive os de referência, além de bônus à diretoria da companhia e pagamento de tributos à União.

Porém, ele detalha que, ao longo de dez anos, o trio de acionistas recebeu cerca de R$ 750 milhões em dividendos, mas aportou na empresa, só nos últimos anos, R$ 2,3 bilhões. Assim, o saldo de investimentos seria muito superior ao ganho com dividendos gerados pela fraude.

Coelho disse que o documento mais antigo a que se teve acesso relativo à fraude na companhia é de 2016 e que a empresa está revendo os números dos últimos cinco anos de sua operação. Calcula-se que a varejista tenha pago R$ 3,6 bilhões em juros de operações de crédito de risco sacado ao longo dos anos em que as fraudes aconteceram.

Ações judiciais no radar

Enquanto a visão é de um progresso nas investigações e com a companhia mais perto de “virar a página”, alguns analistas citaram incerteza com o processo.

Para Felipe Pontes, sócio da L4 Capital, não houve muita novidade. “Culparam a diretoria anterior, na esperança de sinalizar ao mercado que podem recuperar o dinheiro em processo. Mas qual é a chance de recuperar os recursos roubados?”, avalia.

Neste sentido, o Instituto Ibero-Americano da Empresa – associação que reúne investidores e atua no mercado de capitais – apontou que o reconhecimento da fraude e a menção de “possíveis culpados” fortalece um processo arbitral de investidores minoritários.

A demanda é contra a Americanas e os sócios da 3G capital –  gestora de Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, acionistas de referência da companhia – e tramita na Câmara de Mercado da B3 desde o dia 19 de janeiro.

Rafael Mortari, advogado do Instituto Empresa e sócio do escritório Mortari Bolico, defende que o problema não é exclusivamente a citação das pessoas no fato relevante que trata sobre a fraude e sim da menção da Americanas como empresa, por ter contratado esses diretores e por uma falta de mecanismos de controle e governança. “A empresa não pode se fazer de vítima, ela é corresponsável pela fraude praticada durante vários anos pelos mais altos cargos da companhia”, aponta.

Para Mortari, isso ratifica e fortalece que os acionistas minoritários precisam ser indenizados no processo arbitral em andamento, mas nada muda com relação aos responsáveis pela reparação, que seguem sendo Americanas e os sócios controladores. “É muito fácil querer responsabilizar as pessoas físicas que não têm patrimônio suficiente para ressarcir um rombo de R$ 40 bilhões”, pontua. “A empresa tem 100% de responsabilidade, não apenas uma parcela. Contudo, ela tem todo o direito de pedir ressarcimento dos prejuízos a esses diretores”, destaca.

De acordo com advogados, a pedalada contábil da Americanas pode ter implicações inclusive criminais. “Lógico que no âmbito criminal, incumbe à acusação, no caso o Ministério Público, comprovar que há um crime. Não basta a mera posição de sócio ou administrador para a responsabilização”, afirma Matheus Falivene, doutor em Direito pela USP.

Fenando Brandariz, advogado especializado em Direito Empresarial, Recuperação Judicial e presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB Pinheiros, afirma ainda que “a sociedade deverá ingressar com ações indenizatórias contra os ex-administradores e diretores, se ficar demonstrado dolo nas operações até então denominadas de fraudadas”.

Cabe destacar que a equipe que assessora a Americanas avalia pedir à antiga diretoria da empresa a restituição dos ganhos que teriam sido obtidos por eles com a fraude contábil na companhia.

De acordo com a CNN, os cálculos iniciais feitos por fontes ligadas á Americanas apontam que a operação fez com que eles obtivessem lucros somados na margem de R$ 800 milhões em valores nominais por um período de dez anos. Além dessa possibilidade, considerada alta, de ações cíveis para restituir esses valores e outra também em avaliação reivindicando indenização por dano moral, há expectativa também de que as investigações criminais avancem, inclusive com a possibilidade de prisão dos envolvidos na fraude.

Enquanto mais definições na esfera jurídica são esperadas, a Americanas perde espaço no mercado.

Em relatório do fim do mês passado, a Levante destacou que dados do último monitoramento mensal produzido pelo administrador judicial da Americanas mostram que a varejista encerrou o mês de abril com aproximadamente metade de sua área inativa e caixa suportado pelos acionistas de referência. Além disso, houve uma forte redução dos postos de trabalho, ao comparar os 43.123 funcionários que a empresa tinha em janeiro, quando anunciou o rombo contábil, com os 38.098 funcionários registrados em 21 de maio, levando a uma redução de 5.000 funcionários em um período de menos de 4 meses.

Passados quatro meses da recuperação judicial, o Morgan Stanley aponta que seu rastreamento de dados para Americanas mostrou uma deterioração contínua nas tendências de tráfego online (e provável GMV, ou  volume bruto de mercadorias) nos últimos meses, enquanto o Mercado Livre (MELI34) foi o que mais ganhou espaço.

Agora, a expectativa fica pelos movimentos dos acionistas de referência, após notícias de que o trio da 3G teria concordado em ficar durante três anos sem vender ativos da varejista. Embora o período de lock-up ainda não tenha sido determinado, os bancos credores sugerem que seja até 2027. O compromisso firmado por eles faz parte do plano de reestruturação da varejista, em que o trio injetaria R$ 10 bilhões imediatamente, e considerariam mais R$ 2 bilhões que poderiam ser investidos em duas parcelas, uma em 2026 e outra em 2027, a depender do cumprimento das métricas de alavancagem e liquidez.

Em nota de esclarecimento sobre o tema, a varejista disse ainda não haver consenso com seus credores financeiros em relação à última proposta apresentada e que a companhia segue empenhada em manter negociações construtivas com seus credores em busca de uma solução que permita a continuidade de suas atividades. “Assim que um acordo esteja inteiramente negociado com os credores, a companhia divulgará ao mercado todo seu conteúdo”, apontou.

Com tantas indefinições e ainda à espera dos balanços do 4T22 e do 1T23, analistas recomendam cautela com as ações.

(com Reuters e Estadão Conteúdo)




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