Relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 65/2023) que concede autonomia financeira e orçamentária ao Banco Central (BC), o senador Plínio Valério (PSDB-AM) sabe dos desafios que terá pela frente para que o projeto avance no Congresso Nacional – mas está otimista com a sua aprovação, com ou sem o apoio formal do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A PEC transformaria o Banco Central, uma autarquia federal com orçamento vinculado à União, em empresa pública com total autonomia financeira e orçamentária, sob supervisão do Congresso Nacional. O BC teria plena liberdade para definir, por exemplo, os planos de carreira e salários de seus funcionários, contratações e reajustes. O texto tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal Em entrevista ao InfoMoney, Plínio Valério afirma que pretende entregar o relatório sobre a PEC até o início de junho. O senador revela que tem mantido conversas com os servidores da autoridade monetária e com o próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto, um entusiasta da autonomia financeira. A participação do governo nas discussões, no entanto, é praticamente inexistente até o momento, segundo o parlamentar. “A PEC vai andar, independentemente do governo. Eu vou apresentar o relatório e depois não venham dizer que o governo não foi ouvido”, afirma Valério. “A verdade é que o governo já perdeu muitas no Congresso. Quem tem de estar engajado são o Rodrigo [Pacheco, presidente do Senado] e o [Arthur] Lira [presidente da Câmara]. Eu vou fazer o meu papel e entregar o parecer.” “Eu tenho dito tanto aos servidores quanto aos diretores do BC que já estiveram comigo: me digam exatamente o que preocupa vocês na PEC e o que vocês gostariam de ver no texto. E aí eu organizo”, garante o senador. “Temos de encontrar esse ponto de equilíbrio. Aqui ninguém vai determinar uma autonomia total, deixando o governo sem nenhuma participação. O ideal, para mim, seria uma decisão salomônica. O governo continuaria ditando a política monetária, o BC executaria essa política e o Senado Federal continuaria fiscalizando.” Leia os principais trechos da entrevista do senador Plínio Valério (PSDB-AM) ao InfoMoney: InfoMoney: O senhor é autor da proposta que deu origem à autonomia operacional do Banco Central, aprovada em 2021. Qual é a importância, agora, da aprovação da autonomia financeira e orçamentária do BC? Plínio Valério: É mais um passo, mais um avanço. Hoje, o Banco Central não tem garantias para executar plenamente todas as suas atividades. Isso só acontecerá com a autonomia orçamentária e financeira. A medida também acabaria com aquela necessidade de busca permanente por recursos financeiros junto a outros órgãos. A autonomia traria a possibilidade de o BC resolver seus problemas com suas próprias forças, lá dentro, andando com as próprias pernas, sem depender de ninguém. IM: A PEC 65/2023 enfrenta forte resistência dos sindicatos de servidores do BC, que alegam que o texto não foi suficientemente debatido e representa uma ameaça à estabilidade dos funcionários. Como o senhor rebate essas críticas? PV: Eu li uma nota do sindicato em que o presidente diz uma série de coisas que não procedem. Nós recebemos aqui no meu gabinete 99% dos representantes dos funcionários do BC. O que eles querem ouvir do relator é que nós vamos garantir a estabilidade deles. Os aposentados certamente vão reclamar também. Não porque perdem alguma coisa, pois não vão perder nada. É que o aposentado sempre tem medo de mudança para pior, o que não é o caso. Teremos alguns embates, mas a maioria dos servidores que vêm até aqui concordam com a proposta, desde que garantida a estabilidade. E a PEC garante. IM: O senhor acredita ser possível um acordo com os servidores em torno da PEC? PV: Sim. Com os servidores, esse entendimento está encaminhado. Não vejo razão para ficarem preocupados. Eles têm em mim a garantia de que não vai sair um documento que os prejudique, de forma alguma. Eu tenho dito tanto aos servidores quanto aos diretores do BC que já estiveram comigo: me digam exatamente o que preocupa vocês na PEC e o que vocês gostariam de ver no texto. E aí eu organizo. Temos de encontrar esse ponto de equilíbrio. Aqui ninguém vai determinar uma autonomia total, deixando o governo sem nenhuma participação. O ideal, para mim, seria uma decisão salomônica. O governo continuaria ditando a política monetária, o BC executaria essa política e o Senado Federal continuaria fiscalizando. Parece que há quem não queira que a gente tenha esse poder de fiscalizar. Nós temos esse poder e eu não vou tirar isso do Senado. Vai continuar como está, com o BC prestando contas a nós. IM: O governo ainda não se manifestou oficialmente sobre a PEC, mas comenta-se que há alguma resistência por parte do Executivo. Afinal, o que assusta o governo? PV: O governo está pensando que estão querendo tirar o poder dele. Acredito que o governo se preocupa, principalmente, com o CMN [Conselho Monetário Nacional, órgão integrado pelo presidente do BC e pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e que tem a responsabilidade de formular a política da moeda e do crédito, ao qual está submetido o orçamento do BC]. O governo tem maioria no CMN. Além disso, a PEC também dá certos poderes ao Senado, que supervisionaria o BC, enquanto o governo ficaria basicamente apenas com o CMN. Na prática, o BC não vai mais pedir a bênção nem permissão ao governo… E eles não querem perder isso. No meu entendimento, essa é uma leitura equivocada. Eles traçam a política, o BC executa e a gente cobra. É simples. Agora, se você me perguntar se o governo é favorável ou contrário à PEC, eu ainda não tenho essa resposta. O fato é que temos poucos senadores engajados no tema neste momento. Quando o governo demonstrar interesse, a coisa melhora. Mas, de forma geral, a gente sente aqui no Senado, como já aconteceu com a autonomia operacional do BC, que grande parte dos parlamentares concorda com esse avanço da autoridade monetária, seguindo o que é praticado pelos grandes bancos centrais do mundo. IM: O senhor já conversou com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ou com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, sobre a PEC? PV: Eu converso por telefone com o Roberto Campos Neto. Já deixei claro que não vou sair do Senado para ouvir ninguém. O lugar de fazer esse debate é o Senado da República. Conversei com ele umas três vezes, e ele me relatou que teve duas conversas sobre o assunto com o Haddad. Ele me disse que o Haddad nunca afirmou que é contra [a PEC] e que ele [Campos Neto] expôs os principais pontos ao Haddad, que compreendeu e ficou de dar uma resposta. Eu conversei há pouco com o Jacques Wagner [PT-BA, líder do governo no Senado], perguntando qual era o interesse do governo. Eu disse a ele que vou elaborar o relatório e que só falta ouvir o governo. Em princípio, eles [governo] ficaram “cabreiros” quanto a isso, mas ele terá uma outra conversa lá e me trará o que o governo está pensando. IM: Sem o apoio do governo, é possível aprovar o projeto? PV: A PEC vai andar, independentemente do governo. Eu vou apresentar o relatório e depois não venham dizer que o governo não foi ouvido. Mas acho que o Jaques Wagner vai trazer esse posicionamento. A verdade é que o governo já perdeu muitas no Congresso. Quem tem de estar engajado são o Rodrigo [Pacheco, presidente do Senado] e o [Arthur] Lira [presidente da Câmara]. Eu vou fazer o meu papel. IM: Neste momento, quais são os pontos que geram mais controvérsia no texto da PEC? PV: São sete pontos que estão gerando maior discussão. O principal deles é a redução das funções do CMN. Algumas dessas funções seriam transferidas para o Congresso Nacional. Eu, particularmente, também acho isso exagerado, nós não podemos amordaçar o governo. Você não pode tirar tudo do governo em uma tacada só. O orçamento do BC e o financiamento de suas atividades também precisariam de uma melhor definição. Outro ponto é a alteração da natureza jurídica do banco, de autarquia para empresa pública. Estamos ainda observando com atenção os efeitos da PEC sobre os servidores; como ficaria a coordenação entre políticas macroeconômicas (monetária e fiscal), já que mudaria o vínculo entre BC e Executivo; e a delegação de poder de polícia para pessoa jurídica de direito privado, o que pode exigir uma redefinição. Estamos ouvindo os servidores do BC para saber quais efeitos todos esses pontos causariam sobre a atividade deles. IM: Quando o senhor pretende apresentar o seu parecer na CCJ? PV: Eu devo apresentar o relatório no começo de junho. O mês de março será todo dedicado a essas conversas e discussões. Temos, então, dois meses para produzir o relatório: abril e maio. Se os atores envolvidos nesse debate responderem ao que eu estou perguntando e mostrarem os pontos de preocupação de cada um e o que eles gostariam de ver no texto, eu consigo fazer o relatório de forma célere. Leia também: |
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