![]() A decisão do governo federal de proibir beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), de fazer apostas esportivas causou reação imediata entre especialistas do setor. A medida foi anunciada pelo secretário de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, Regis Dudena, e deve atingir mais de 20 milhões de pessoas inscritas como titulares no Bolsa Família. Especialistas ouvidos pelo InfoMoney mostram que só a proibição não é o suficiente. Pior do que isso, ela pode incentivar o mercado ilegal, que ainda responde por uma grande parcela do setor no país. Leia Mais: Associação da Inglaterra não recorrerá contra decisão que inocentou Lucas Paquetá Segundo o governo, a determinação cumpre uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), tomada de forma unânime pelos ministros em novembro de 2024. A interpretação é de que cabe ao Executivo impedir que recursos vindos dos programas assistenciais sejam utilizados nas chamadas bets. Uma das soluções em estudo é a exigência de CPF e conta bancária para abrir cadastro nas plataformas. Com isso, somente após um depósito seria possível apostar. O debate ganhou força depois de o Banco Central divulgar relatório mostrando que, em agosto de 2024, cerca de cinco milhões de beneficiários usaram parte do auxílio para apostar, movimentando aproximadamente R$ 3 bilhões. A proposta, no entanto, já havia sido considerada de difícil execução pela Advocacia-Geral da União (AGU). A entidade informou ao STF que não seria viável impedir diretamente o uso do Bolsa Família em apostas, uma vez que as contas não são exclusivas para o benefício e servem também para salários, transferências e pagamentos. Outra hipótese discutida seria barrar transações a partir dos cartões do programa, mas essa medida esbarra na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), pois exigiria o repasse de informações pessoais dos beneficiários às plataformas. O ministro Luiz Fux, em novembro, determinou que fossem adotadas “medidas imediatas de proteção especial” para evitar o uso dos recursos assistenciais em apostas. Para o advogado Bernardo Cavalcanti Freire, consultor jurídico da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), a forma como o Ministério da Fazenda decidiu aplicar a decisão do STF pode ser prejudicial. “A interpretação que a Secretaria e o Ministério da Fazenda estão dando à decisão do STF está equivocada. O que a decisão cita é que não podem ser utilizados os benefícios oriundos do Bolsa Família e do BPC, mas não fala que o beneficiário não pode jogar. Isso é perigoso porque, no momento de combate ao ilegal, acaba empurrando toda essa massa de jogadores para o jogo clandestino”, afirmou. Leia Mais: Para representantes do setor, indústria de apostas no Brasil atingiu nova etapa Freire defende que existem alternativas mais adequadas, como criar contas específicas apenas para o pagamento do benefício, impedindo transferências para as empresas de apostas. Além disso, sugere que o beneficiário que tentar usar o auxílio para apostar possa ser suspenso do programa, medida que, segundo ele, se alinha ao que determinou o STF. O advogado alerta ainda para o risco de invasão de direitos: “Agora, proibir o beneficiário de realizar apostas é algo muito invasivo e até desigual. Isso é inconstitucional. Imagina começar assim, e daqui a pouco o beneficiário não poder nem tomar uma cerveja no bar porque recebe o Bolsa Família.” O advogado Raphael Paçó Barbieri, especialista em direito desportivo do CCLA Advogados, também considera equivocada a restrição. “Limitar apostas aos beneficiários do Bolsa Família é tratar o problema de forma simplória e até em certa medida populista. O problema não está limitado aos usuários do programa. Inclusive, com certeza existem beneficiários que podem até apostar mas que não o fazem de forma patológica. Da mesma forma, é necessário voltar os olhos para aqueles que não são beneficiários e enfrentam problemas com apostas, que são a grande maioria dos casos de vício.” Para Barbieri, a medida poderia até ser viável tecnicamente, já que as plataformas podem bloquear acessos por CPF, mas não resolveria a questão principal: o combate à ludopatia em toda a população. Leia Mais: O que as casas de apostas estão fazendo para combater o vício? A Empresa Brasileira de Apoio ao Compulsivo (EBAC), responsável por desenvolver ferramentas de monitoramento e acolhimento de apostadores compulsivos, também critica a decisão. Para Cristiano Costa, psicólogo e CKO da entidade, a repressão não é solução eficaz. “Se repressão funcionasse contra compulsão, nós já teríamos vencido a guerra contra as drogas. Quantas pessoas não morrem, quantas ações repressivas não acontecem no país e qual foi a eficácia dessa repressão?”, questiona. Costa defende medidas educativas e de conscientização. “Não dá para o Estado brasileiro ficar com essa tutela, tutelando pessoas como se elas não tivessem responsabilidade própria. O que funciona para valer é conscientização”, conclui. Com especialistas alertando para riscos constitucionais, aumento da migração para o mercado ilegal e ineficácia do bloqueio, a decisão do governo abre um novo capítulo no debate sobre como equilibrar o combate à ludopatia, a proteção social e o respeito às liberdades individuais. |
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