De olho no mais novo estouro do diretor Christopher Nolan, o filme Oppenheimer, a Kinea Asset aproveitou o tema para questionar os investidores em sua carta mensal: será que a “arma de destruição em massa” mais conhecida como inflação já foi totalmente controlada pelos bancos centrais, após um dos ciclos de aperto monetário mais intensos em muitos anos? A associação entre a bomba inflacionária e Oppenheimer não é à toa. A obra retrata a vida de J. Robert Oppenheimer, considerado o pai da bomba atônica, que vive um dilema por ter criado um artefato com caráter destrutivo – ao mesmo tempo em que não mede esforços para que armas nucleares sejam mantidas sob rígido controle. Da mesma forma, a Kinea chama atenção para o poder devastador que a inflação possui sobre a população – ao destruir a massa de renda e a poupança, especialmente dos menos favorecidos, assim como pôde ser visto no Brasil quando a alta de preços chegou a ultrapassar 12% no acumulado de 12 meses encerrados em abril de 2022. Ao olhar para o trabalho dos bancos centrais mundo afora, a Kinea defende que a tarefa do Banco Central brasileiro não está completamente concluída no combate à escalada de preços, apesar de a autoridade ter iniciado o ciclo de aperto monetário mais cedo do que outros países. “Ainda não temos sinais claros de que a inflação irá convergir para a meta de 3% no horizonte relevante”, avalia a economista da casa, Daniela Lima. Atualmente, a casa está dividida em relação ao tamanho do corte de juros que deve ser feito pelo Banco Central na reunião desta quarta-feira (2). Com um olhar mais conservador, Lima defende que a queda será de 0,25 ponto percentual, com um comunicado mais duro do Comitê de Política Monetária (Copom). “Apontando que as expectativas ainda estão desancoradas e que o BC precisa continuar vigilante para fazer a convergência da inflação”, destaca a economista, que acredita que a autoridade monetária deverá manter os juros em nível restritivo – acima do neutro – reduzindo-os gradativamente. Leia mais: Na avaliação da Kinea, o Brasil se encontra na segunda etapa do processo de desinflação, em que busca a convergência da inflação de serviços. O indicador tem visto uma descompressão mais lenta. A gestora lembra que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de serviços tem rodado acima de 6% anualizados nos últimos três meses. Um dos motivos que tornam o processo de descompressão em serviços mais gradual é o fato de o mercado de trabalho estar aquecido, na avaliação da Kinea. Segundo dados divulgados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) na semana passada, o país criou mais de 1 milhão de vagas no primeiro semestre. Já em junho, o Brasil registrou um saldo positivo de 157.198 carteiras de trabalho assinadas. O mercado financeiro esperava um novo avanço no emprego no mês, e o resultado veio abaixo da mediana das estimativas de analistas consultados pelo Projeções Broadcast, que era de saldo positivo de 162 mil vagas. As projeções indicavam a abertura líquida de 137,5 mil a 213.006 vagas em junho. Ao mesmo tempo, a taxa média de desemprego no Brasil teve novo recuo no trimestre encerrado em junho, para 8,0%, ou 0,8 ponto percentual abaixo da observada no trimestre de janeiro a março, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) divulgada na semana passada. O consenso de analistas projetava uma queda menor, de 8,3% em maio para 8,2% em junho. Riscos para o BCApesar de ver os esforços do Banco Central no combate à escalada de preços, a Kinea não vê o processo de desinflação como “duradouro” e nem “aposta na convergência da inflação para a meta no médio prazo”. Treinamento Gratuito Manual dos Dividendos Descubra o passo a passo para viver de dividendos e ter uma renda mensal previsível, começando já nas próximas semanas. A gestora reforça que o BC passará por uma troca na presidência em 2025, o que poderia mudar a postura da autoridade na política monetária. “O risco é de termos um BC mais tolerante com a inflação, haja vista a defesa frequente de Lula de termos uma inflação praticada maior do que a meta definida pelo CMN [Conselho Monetário Nacional]”, alerta a casa. Outro temor da gestora envolve o risco fiscal. Na visão da Kinea, as metas fiscais não devem ser atingidas e “não parece crível” a trajetória de gastos embutida nas regras fiscais. No que a Kinea está investindo?Ao comentar sobre os investimentos dos fundos, a Kinea destaca que tem migrado aos poucos a posição em renda fixa local para títulos públicos atrelados à inflação (NTN-Bs). “A inflação brasileira costuma ter uma inércia ao redor de um nível mais alto do que hoje está refletido nos mercados”, afirma a gestora. “Sendo assim, as inflações implícitas mais longas nos parecem ter pouco prêmio, dado o crescente risco e são uma proteção assimétrica”, completa a casa. Em termos de ações, a gestora avalia que o segundo semestre deve trazer desafios para as empresas. Com a necessidade de encontrar mais de R$ 100 bilhões para fechar as contas de 2024, a Kinea acredita que o governo “lançará mão de medidas para aumentar a arrecadação às custas das empresas”. Leia mais: De olho em uma eventual extinção de proventos como os Juros sobre Capital Próprio (JCP), a casa defende que os setores mais afetados seriam o de bebidas, telecomunicações e bancos, com impacto no lucro projetado para o ano que vem entre 22,8% e 16,9%. Para evitar baques com o término desse tipo de provento, a gestora disse que está taticamente alocada em setores mais ligados à economia doméstica, como construção civil e shoppings, além de utilidades públicas e infraestrutura. Ao mesmo tempo, a Kinea ressalta que tem montado posições vendidas (que se beneficiam da queda) em empresas que podem ser muito afetadas pelo fim do JCP. Bomba inflacionária ao redor do mundoA carta mensal da Kinea mostrou também que o Brasil não é um caso isolado quando o tema é inflação. Em sua análise, a gestora destacou que é possível diferenciar os países desenvolvidos em três grupos com base no combate à escalada de preços. Para a gestora, há os lugares com inflação alta e persistente, caso do Reino Unido e da Noruega, enquanto há outros locais com uma alta de preços mais contida e em desaceleração, como nos Estados Unidos e no Canadá. Por fim, há ainda exemplos de nações em que a inflação está elevada, mas em fase de descompressão, como na Europa, Suécia e Nova Zelândia. Na visão da Kinea, Austrália, Reino Unido e Noruega devem seguir bem distantes da meta mesmo daqui 12 meses. A gestora afirma ainda que, no caso da Noruega, o fato de a moeda estar bastante depreciada é um entrave, enquanto o mercado de trabalho parece um fator limitador no Reino Unido e na Austrália. “Imaginamos que esses bancos centrais deverão agir mais fortemente no combate inflacionário. Dessa forma, compramos a libra esterlina e a coroa norueguesa pelo provável impacto nas moedas devido ao maior diferencial de juros”, afirma a gestora. Já no quesito juros, a Kinea alerta que tem concentrado as posições em países com a inflação mais contida e em desaceleração, caso do Canadá, além de nações que estão com alta de preços, mas que o indicador deve ceder com força nos próximos meses, como na Suécia e outros países europeus. “Na Europa, em particular, temos visto sinais não só de desinflação, mas também de desaceleração do crescimento econômico com forte contração do ciclo de crédito”, resume a gestora. |
Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos obrigatórios estão marcados *