 O governo brasileiro enviou ontem resposta ao Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR, na sigla em inglês), na qual pede que o governo americano reconsidere a investigação aberta pelo órgão, diante de possíveis consequências adversas para as relações entre os dois países. Depois que Donald Trump anunciou um tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros, que entrou em vigor neste mês, o USTR abriu processo para investigar supostas “práticas desleais” comerciais do país. O processo, com base na Seção 301 da Lei de Comércio americana, lista tópicos que vão do acesso ao mercado de etanol, passando por desmatamento, combate à corrupção, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre redes sociais, pirataria na Rua 25 de Março e até o uso do Pix. A investigação representa um risco adicional, já que, a depender da decisão, pode resultar em novas restrições. No documento enviado ontem, o Brasil diz que não há base jurídica ou factual para imposição de sanções comerciais e “afirma que seus atos, políticas e práticas não são, de forma alguma, injustificáveis, discriminatórios ou onerosos ao comércio dos EUA”. Diálogo construtivo“O Brasil insta o USTR a reconsiderar o início desta investigação e a iniciar um diálogo construtivo. Medidas unilaterais previstas na Seção 301 podem comprometer o sistema multilateral de comércio e ter consequências adversas para as relações bilaterais”, escreveu o governo brasileiro na resposta. “O Brasil permanece aberto a consultas e reafirma seu compromisso de resolver preocupações comerciais por meios cooperativos e legais”, diz outro trecho. Na carta, o Brasil diz não reconhecer a legitimidade de investigações ou ações retaliatórias comerciais fora da Organização Mundial do Comércio (OMC). “O Brasil reitera sua posição de longa data de que a Seção 301 é um instrumento unilateral incompatível com princípios e regras do sistema multilateral de comércio. O Brasil não reconhece a legitimidade de investigações, determinações ou possíveis ações retaliatórias tomadas fora do quadro jurídico da OMC, que é o único fórum apropriado para a resolução de disputas comerciais entre seus membros”, diz o texto. A carta refuta os tópicos levantados pelo USTR na abertura da investigação. O governo não foi o único a responder. Ontem, perto de 80 manifestações estavam registradas na página do USTR. Foram protocoladas por associações e companhias dos dois países, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), Unica (da indústria de cana-de-açúcar e bioenergia), Embraer, Taurus, Associação de Madeireiros do Mississipi, X, Coalizão de Integridade de Madeira Compensada Estrutural dos EUA. Parte delas, a exemplo de CNI, Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Abipesca e Embraer, pedia para participar da audiência marcada para o dia 3 de setembro. O total de manifestações será divulgado pelo USTR, excluindo os de tom panfletário ou político. Processo deve levar 1 anoNo documento enviado ao USTR, a CNI buscou rebater críticas e destacar avanços do Brasil em diferentes áreas. Afirma que o Brasil não adota práticas que prejudiquem empresas americanas no comércio digital e nos serviços de pagamentos eletrônicos, citando o Pix como exemplo de inovação comparável ao FedNow, do Federal Reserve (o banco central americano), e efeitos positivos em inclusão financeira e comércio eletrônico. Outro ponto é que as preferências tarifárias concedidas a países como México e Índia estão em conformidade com acordos internacionais, sem afetar a competitividade dos EUA, que já se beneficiam de tarifas médias mais baixas, em torno de 2,7%, contra 4,7% para produtos indianos e 3,2% para mexicanos. A CNI ressalta o arcabouço legal anticorrupção do Brasil, com destaque para a independência do Judiciário e a atuação do STF — fatores que, segundo a entidade, garantem previsibilidade e segurança ao ambiente de negócios. Em relação à propriedade intelectual, cita medidas que reduziram o tempo médio de análise de patentes para 2,9 anos em 2025 — próximo aos padrões de países desenvolvidos —, políticas de combate à falsificação e à pirataria. E rebate críticas relacionadas ao etanol, afirmando que o Brasil não adota práticas discriminatórias aos EUA. Na agenda ambiental, a CNI destaca o fortalecimento das leis e da fiscalização contra o desmatamento ilegal, além do controle sobre a produção e comercialização de produtos florestais, que exige licenciamento em todas as etapas da cadeia produtiva. Outras instituições enviaram declarações de apoio à carta da CNI, como Abicalçados, Abipeças, Abiquim, Abrinq, Abit e Abividro. A CNA concentrou sua defesa em três pontos: tarifas preferenciais, acesso ao mercado de etanol e desmatamento ilegal. “O Brasil se tornou um grande exportador agrícola porque somos altamente produtivos e competitivos. A CNA, que representa mais de 5 milhões de produtores rurais brasileiros, tem confiança de que a investigação americana comprovará o compromisso, não só do agro, mas de toda a economia brasileira, com um comércio internacional justo, transparente”, disse Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da CNA. Em carta, a Embraer afirmou que a imposição de restrições a importações da empresa seria “diretamente contrária” aos interesses dos EUA e diz que desempenha “papel crítico” para o sistema aéreo americano. Outras empresas se manifestaram, como a Incepa, de louças sanitárias, e Triunfo, de erva-mate. Do lado americano, o X, de Elon Musk, diz que o Brasil representa uma das maiores bases globais de usuários e mercado estrategicamente significativo, mas que há preocupações quanto à previsibilidade regulatória, proporcionalidade na aplicação da lei e proteção do comércio. A expectativa é que negociadores de Brasil e EUA voltem a debater o tema em audiência pública em dezembro. Se o USTR concluir que o Brasil tem práticas anticompetitivas, poderão ser adotadas novas barreiras a produtos brasileiros. O processo deve levar, no mínimo, um ano. A resposta do governo Defesa do PixA carta infraestrutura pública de acesso aberto para modernizar o mercado de pagamentos, aumentar a concora apresenta o Pix como iniciativa que aumenta a eficiência, competição e inclusão financeira. “O Pix foi criado comrência, promover a inclusão financeira e reduzir os custos das transações”. Decisão do STF sobre redesO Brasil nega que decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre responsabilidade de plataformas por conteúdo de usuários sejam discriminatórias ou prejudiciais a empresas americanas. Argumenta que as decisões não impõem responsabilidade estrita às empresas e exigem ordem judicial na maioria dos casos de conteúdo ilegal, exceto em casos ligados a crimes graves como terrorismo, pornografia infantil e crimes contra a democracia. Propriedade intelectual e etanolOs EUA se queixam da pirataria e citam a Rua 25 de Março. O Brasil diz que suas políticas são consistentes com compromissos internacionais de combate a esses crimes. Sobre etanol, o governo diz que não impôs barreiras discriminatórias ao etanol dos EUA (a tarifa brasileira é de 18%, a dos EUA é de 52,5%). Tarifas e acordos comerciaisO Brasil cita que 73,7% das exportações dos EUA têm tarifa zero. E diz que acordos com Índia e México estão em linha com regras da OMC. DesmatamentoO governo diz agir para reprimir o desmatamento ilegal e eliminar a parcela de produtos com origem em terras desmatadas ilegalmente.
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