![]() A escalada acelerada de tarifas está desfazendo uma relação comercial construída ao longo de décadas entre Estados Unidos e China, colocando em risco o destino das duas potências e ameaçando arrastar a economia global para uma retração. A disputa atual supera em intensidade os embates do primeiro mandato do ex-presidente Donald Trump. Em 2018 e 2019, ele elevou tarifas sobre produtos chineses ao longo de 14 meses. Agora, os aumentos ocorreram em questão de dias, com alíquotas mais altas e abrangendo uma gama maior de produtos. Na quarta-feira (9), Trump respondeu à decisão da China de igualar a tarifa de 50% — imposta como retaliação a um tributo anterior dos EUA — com um novo aumento, elevando a alíquota sobre importações chinesas para 125%. Leia mais: Tarifa total sobre a China vai a 145%, diz Casa Branca; mercados aceleram queda Apesar da pressão, a China manteve a postura. O país elevou para 84% as tarifas sobre bens americanos e reiterou, na quinta-feira (10), que vai “lutar até o fim”, em linha com a estratégia do presidente Xi Jinping de redefinir a ordem global com Pequim no centro, em vez de Washington. “Estamos nos aproximando de um rompimento monumental”, disse Orville Schell, diretor do Centro de Relações EUA-China da Asia Society, em Nova York. “O tecido que costuramos cuidadosamente nas últimas décadas está se desfazendo.” EUA e China: uma relação conturbadaA relação entre os dois países foi uma das principais forças da economia global no século 21. Empresas americanas se beneficiaram da produção em fábricas chinesas, o que ajudou a conter os preços para os consumidores e ampliou os lucros das grandes corporações. A China, por sua vez, ganhou empregos e investimentos que tiraram milhões de pessoas da pobreza. À medida que o poder de consumo chinês cresceu, abriu-se um mercado lucrativo para marcas americanas. ![]() Esse equilíbrio passou a ser questionado com o avanço da China como potência global e o receio crescente dos EUA de ficarem vulneráveis ao controle chinês sobre insumos estratégicos para a indústria de alta tecnologia. Não está claro qual lado cederá primeiro — ou se haverá algum consenso. Mas é certo que a interrupção no fluxo de bilhões de dólares em comércio bilateral, incluindo bens que transitam por terceiros países, terá impacto severo sobre ambas as economias e seus parceiros comerciais. “Não dá para modelar isso”, disse Steven Okun, CEO da consultoria APAC Advisors. “Os países terão que escolher entre os EUA e a China?” Economistas preveem que o impasse pode levar os EUA à recessão. A China, por sua vez, enfrenta a perspectiva de um divórcio forçado de seu maior parceiro comercial — que consome mais de US$ 400 bilhões em produtos por ano — em meio a uma crise imobiliária e à baixa confiança dos consumidores. Como EUA e China são centrais na economia mundial, os efeitos devem ser sentidos globalmente. O conflito se intensifica enquanto Trump impõe tarifas de 10% sobre a maioria dos parceiros comerciais americanos, além de tributos sobre automóveis, aço e alumínio importados — medidas que quase passaram despercebidas diante da recente onda tarifária. Dan Wang, diretora da equipe da China no Eurasia Group, afirmou que empresas chinesas já estão olhando além dos EUA. A China planeja exportar 6 milhões de veículos elétricos este ano, quase nenhum com destino aos Estados Unidos. Segundo ela, há risco de recessão global, mas o impacto tende a ser maior nos EUA. Três meses atrás, o Fundo Monetário Internacional projetava que a economia americana teria desempenho superior ao de outras grandes economias. Agora, muitos analistas veem risco de recessão nos EUA. Após a imposição de tarifas generalizadas por Trump, as previsões apontam para mais inflação, desemprego e desaceleração. “Acredito que a recessão já começou e que a economia vai piorar significativamente no segundo trimestre”, disse Carl Weinberg, economista-chefe da High Frequency Economics, antes de Trump voltar atrás em parte das tarifas não relacionadas à China. Impacto nos EUAOs efeitos das tarifas devem ser sentidos em toda a economia americana. Segundo Wendong Zhang, professor assistente de economia aplicada e políticas públicas na Universidade Cornell, 73% dos smartphones, 78% dos notebooks, 87% dos consoles de videogame e 77% dos brinquedos vendidos nos EUA vêm da China. Já a China ainda tenta se recuperar da crise imobiliária, que impactou toda a economia. Governos locais enfrentam dificuldades para financiar programas sociais, enquanto instituições financeiras lidam com altos níveis de endividamento. O desemprego é elevado e jovens têm dificuldades para encontrar empregos qualificados. Na quinta-feira, o Goldman Sachs reduziu sua projeção de crescimento para a China, apesar da expectativa de estímulos robustos por parte de Pequim. A estimativa foi cortada de 4,5% para 4% — taxa elevada para padrões americanos, mas modesta para a China. O país tem apostado na exportação de manufaturados para compensar fraquezas em outros setores. Mas as tarifas dos EUA devem reduzir a demanda e parceiros comerciais já demonstram cautela com o aumento da presença de produtos chineses em seus mercados. Para pequenos negócios nos dois países, a ruptura repentina na relação comercial é devastadora. É o caso de John K. Thomas, dono de uma empresa na Califórnia que fabrica termômetros eletrônicos para animais, com componentes chineses e clientes na China. “A China ter se tornado meu segundo maior mercado foi crucial para a sobrevivência do negócio nos últimos 15 anos”, disse Thomas, da GLA Agricultural Electronics, fundada em 1969. Nos últimos três dias, ele viveu uma montanha-russa. No domingo, correu para embarcar mercadorias ao principal cliente chinês antes da entrada em vigor de tarifas de 34% sobre produtos americanos. Após novo anúncio de tarifas por Trump, o cliente chinês pediu mais unidades, antecipando uma retaliação. Thomas tentou acelerar a produção, mas a China reagiu antes e aumentou novamente as tarifas, para 84%, encerrando a possibilidade de manter o cliente. “Estávamos prestes a ser excluídos do mercado chinês”, disse ele. “Com 84%, estamos completamente fora.” c.2025 The New York Times Company |
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