 A defesa de Filipe Martins, ex-assessor de Assuntos Internacionais no governo Jair Bolsonaro, optou por uma estratégia ousada e “suicida” no inquérito do golpe. Os advogados pediram que os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o procurador-geral da República Paulo Gonet sejam impedidos de participar do processo. A iniciativa tem pouca chance de prosperar no STF. A defesa sabe que a perspectiva de vitória é quase inexistente, mas insiste na argumentação para jogar luz sobre o que considera um processo “arbitrário, vingativo e inquisitorial”. Filipe Martins é um dos 34 acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de ter participado da tentativa de golpe para manter Bolsonaro no poder após a derrota nas eleições de 2022. A PGR imputa ao ex-assessor a confecção de uma das minutas de decreto que teriam circulado no núcleo duro do golpe. O texto previa a prisão de Alexandre de Moraes e do também ministro do STF Gilmar Mendes, além do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), então presidente do Senado. Filipe Martins passou seis meses preso preventivamente no inquérito. A justificativa foi a de que ele teria tentado fugir do Brasil para escapar da investigação. O nome do ex-assessor constou em uma lista de passageiros do avião presidencial que decolou para Orlando, nos Estados Unidos, em 30 de dezembro de 2022. A defesa comprovou que ele nunca embarcou com a comitiva do então presidente. Os advogados juntaram comprovantes de gastos no cartão e de corridas por carro aplicativo, tudo no Brasil, e bilhetes de uma ponte aérea nacional. Com o levantamento do sigilo da investigação, a defesa descobriu que o ministro Alexandre de Moraes já havia autorizado a quebra do sigilo dos dados de geolocalização do telefone celular de Martins no período entre junho de 2022 e outubro de 2023. Ou seja, quando ele foi preso na Operação Tempus Veritatis, em 8 de fevereiro de 2024, a PF já tinha meios para verificar que ele permaneceu no Brasil. Esse foi um dos argumentos usados pela defesa para pedir a suspeição de Moraes. Os advogados afirmam que houve “grave abuso de autoridade e má-fé processual”. “Filipe Martins tem sido vítima de lawfare, ou seja, do uso do sistema de justiça como instrumento de perseguição política.” Outra estratégia da defesa para pressionar o STF a afastar Moraes do caso e anular a investigação foi traçar um paralelo do inquérito do golpe com a Operação Lava Jato. Os advogados de Filipe Martins comparam a atuação de Alexandre de Moraes à do ex-juiz e atual senador Sergio Moro. O STF derrubou decisões de Moro e reconheceu que ele foi parcial ao condenar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “O que a Suprema Corte fez valer para Sergio Moro – assim esperamos – também deve valer para o ministro Alexandre de Moraes”, defendem os criminalistas. A defesa do ex-assessor afirma que, assim como Sergio Moro “expandiu de forma artificial a sua competência para se tornar um juízo universal de combate aos crimes de colarinho branco”, o ministro Alexandre de Moraes busca ser um “juízo universal da democracia”. “Desde 2019, inúmeros processos criminais ligados ao grupo político do ex-presidente Jair M. Bolsonaro têm sido ‘preventos’ ao gabinete de Sua Excelência, por um irrestrito e larguíssimo conceito de conexão, abarcando inclusive pessoas sem qualquer prerrogativa de foro, como o Excipiente, cujo julgamento logicamente foge da competência do Supremo Tribunal Federal.” O ex-assessor também alega que sua prisão foi decretada para forçá-lo a fazer uma delação premiada. A defesa afirma que o procurador-geral Paulo Gonet foi conivente e “atuou de maneira parcial e comprometida, distorcendo os fatos e ignorando provas essenciais”. “Ao ocultar a prova da geolocalização, sustentar sua prisão injustificada e atuar de forma coordenada com o magistrado para aumentar a pressão sobre o Excipiente, com o intuito de que ele delatasse, o Procurador-Geral da República jogou ping-pong com o Juiz, utilizando o Excipiente, e incorreu em flagrante quebra da imparcialidade, legalidade e impessoalidade, o que torna nulos todos os atos praticados por eles no curso da investigação e da denúncia.” Já o pedido de suspeição de Flávio Dino tem como base manifestações feitas pelo ministro antes de assumir a cadeira no STF. São publicações nas redes sociais com críticas a Bolsonaro e a seus aliados, o que segundo a defesa configura quebra de imparcialidade. Em relação ao ministro Cristiano Zanin, os advogados mencionam sua atuação como advogado do PT em processos contra o ex-assessor na Justiça Eleitoral. Também afirmam que o ministro atuou diretamente na defesa de Lula “que, segundo a acusação, teria sido alvo de uma suposta tentativa de golpe”. A defesa de Bolsonaro já tentou afastar Moraes, Dino e Zanin do julgamento, sem sucesso. Os ministros se declararam aptos a participar do processo. O ex-assessor também enviou ao STF o rol de testemunhas para serem ouvidas no processo se a denúncia da PGR for aceita. São 29 nomes, incluindo o próprio ministro Alexandre de Moraes, o ex-procurador-geral da República Augusto Aras, parlamentares bolsonaristas e embaixadores. Veja a lista completa: General Freire Gomes, ex-comandante do Exército; Brigadeiro Baptista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica; Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; Deputado Marcel Van Hattem; Deputado Eduardo Bolsonaro; Vereador Carlos Bolsonaro; Deputado Hélio Lopes; Senador Eduardo Girão; Senador Rodrigo Pacheco; Carlos Frederico Santos, subprocurador-geral da República; Fabio Alvarez Shor, delegado da Polícia Federal, Chefe da Divisão de Contrainteligência da PF; Alexandre de Moraes; Augusto Aras, ex-procurador-geral da República; Fernanda Januzzi, ex-chefe do cerimonial do ministro Alexandre de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral; Onyx Lorenzoni, ex-ministro da Casa Civil e ex-ministro do Trabalho e Previdência; Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde e deputado federal; Mateus Matos Diniz, ex-assessor especial da Presidência da República; Anelise Hauagge, esposa de Filipe Martins; Amauri Saad, advogado; Padre José Eduardo; André Chermont, ex-chefe do cerimonial da Presidência da República; Eduardo Tagliaferro, perito, ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral; Stella Maria Flores Floriani Burda, promotora de Justiça; Saleh Ahmad Salem Alzaraim Alsuwaidi, embaixador dos Emirados Árabes Unidos no Brasil; Yossi Shelley, ex-embaixador de Israel no Brasil (2017-2022); Todd Chapman, ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil (2019-2022); Rotyslav Tronenko, ex-embaixador da Ucrânia no Brasil (2019-2022); Bader Abbas Alhelaibi, embaixador do Bahrein no Brasil.
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