![]() A investigação comercial aberta pelos Estados Unidos contra o Brasil, que incluiu o Pix como suposta barreira injusta ao comércio, é vista com ceticismo por especialistas em direito internacional e concorrência. A avaliação é que o sistema brasileiro, por suas características, dificilmente se enquadra como prática desleal ou anticoncorrencial passível de punição. “O Pix é uma infraestrutura gratuita estatal para pagamentos instantâneos por pessoas físicas. É uma facilidade ofertada pelo Banco Central para transações dentro do país, sem objetivo concorrencial. Não é uma atividade econômica, nem há cobrança pelo serviço”, explica o advogado Aurélio Marchini, sócio do escritório Marchini Botelho Caselta Della Valle. Para ele, “não se pode caracterizar isso como prática desleal de comércio”. Luciana Mattar Vilela Nemer, advogada especialista em direito aduaneiro e relações internacionais, também vê dificuldades na tese americana. Ela reconhece que o Pix pode ser interpretado como subsídio estatal por sua gratuidade, mas destaca que isso, por si só, não configura violação. “A análise depende da comprovação de efeitos distorcivos no mercado”, afirma. Nemer observa que, para ser enquadrado como subsídio acionável na Organização Mundial do Comércio (OMC), seria necessário provar três pontos: a prática do subsídio, o dano à indústria estrangeira e o nexo de causalidade. “É preciso demonstrar que o Pix causa um efeito adverso significativo, prejudicando de forma indevida os concorrentes e distorcendo o comércio internacional”, explica. No entanto, há um episódio que sustenta parte da narrativa americana: a suspensão do WhatsApp Pay pelo Banco Central em 2020, pouco antes do lançamento do Pix. Segundo Nemer, essa decisão “foi apontada como protecionista e anticoncorrencial, sendo agora citada pelos EUA como exemplo de barreira regulatória injusta imposta a uma empresa americana”. Motivo políticoMarchini ressalta que o pano de fundo da investigação é mais político do que técnico. “Essa investigação é parte da estratégia de pressionar o governo brasileiro, que envolve a aproximação com os BRICS e com a China”, avalia. Fabrizio Velloni, economista-chefe da Frente Corretora, considera que Trumo parece motivado pela iniciativa do BRICS de abandonar o dólar como moeda. No entanto, relembra que embora seja público, o Pix é aberto para o setor privado. “A grande diferença do modelo brasileiro [para o americano] é que é provido pelo Banco Central, mas a adesão pode ser feita de qualquer instituição financeira regulada e fiscalizada pelo Banco Central do Brasil”, explica. Os EUA já adotaram ações semelhantes contra outros países, como China, Índia e Indonésia, que também implementaram sistemas de pagamento público. “Esses precedentes mostram que o Pix não está imune à contestação, caso seja percebido como parte de uma política protecionista”, diz Nemer. Que medidas os EUA podem tomar?Especialistas veem pouca chance de interferência direta no funcionamento técnico do Pix, mas destacam que a retaliação pode vir por vias indiretas. “É uma disputa geopolítica disfarçada de questão técnica”, resume Marchini. A avaliação é que a maior ameaça são as sanções comerciais. “A imposição de tarifas e possíveis restrições a empresas brasileiras são as consequências mais prováveis”, diz o advogado. Ele acrescenta que medidas mais drásticas, como exclusão de empresas brasileiras de sistemas financeiros, “seriam sem precedentes, mas não podem ser descartadas”. Nemer reforça que o processo pode prejudicar a imagem do Brasil como parceiro comercial e afetar o fluxo de investimentos. “A investigação visa criar um custo econômico que force o Brasil a reconsiderar suas políticas”, afirma. Apesar disso, ela argumenta que o Brasil pode se defender com base na legitimidade da política pública: “O Pix promove inclusão financeira, modernização dos pagamentos e estimula a concorrência. A gratuidade é um meio para atingir esses objetivos, e não para distorcer o mercado”. O governo brasileiro começou a reação nesta quarta, publicando uma peça publicitária com mensagem nacionalista, afirmando que “O Pix é nosso”. Segundo informações da Folha de S.Paulo, o Planalto também irá emitir uma resposta técnica ressaltando que o sistema de pagamentos não sofrerá mudanças por interferência externa. |
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