 Enquanto atravessa a maior crise política do terceiro mandato e mira a reeleição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu mudar o tom do discurso e vai ampliar a presença em periferias do país com a proposta de aumentar impostos sobre os mais ricos para beneficiar os pobres. Ao mesmo tempo, o petista se distancia da agenda de corte de gastos, defendida por partidos que integram a coalizão governista. O Palácio do Planalto avaliou positivamente a ida de Lula à Favela do Moinho, em São Paulo, na quinta-feira. O presidente, que pediu uma mudança de lugar do evento para ter contato mais próximo com os moradores, anunciou a compra de moradias para integrantes da comunidade e fez um evento sem palanque, conversando com a população em uma quadra de esportes. As imagens foram distribuídas nas redes sociais. No dia seguinte, no Tocantins, ele afirmou que parte da população não gosta dele por causa do projeto que eleva o Imposto de Renda do estrato mais rico para compensar a isenção para quem recebe até R$ 5 mil por mês. O petista também afirmou que o seu lado na política é o do “povo trabalhador, dos professores e da classe média baixa”. EstratégiaA fórmula vai se repetir nesta semana, em Salvador, na comemoração da Independência da Bahia, uma das maiores festas populares do estado. Outras viagens em tom semelhante estão em análise. A tendência é que o ritmo dos embarques internacionais seja reduzido e fique restrito às situações imprescindíveis, como a Cúpula do Mercosul, também nesta semana. O roteiro é alinhado à radicalização no discurso em meio ao acirramento da tensão com o Congresso, especialmente após a derrubada do decreto que havia elevado o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Ainda que projetos que possam contribuir para acertar as contas públicas estejam parados, como a restrição aos supersalários, líderes do Congresso vêm cobrando que a gestão petista apresente propostas para conter os gastos. A pouco mais de um ano da eleição, o Executivo, por sua vez, evita se comprometer. Especialistas e a oposição criticam a resistência do governo em discutir a fundo a crise fiscal e a falta de propostas que façam cortes, restringindo o debate ao aumento da arrecadação, com a elevação de impostos. Dados do Banco Central divulgados na semana passada mostram que o governo arrecadou R$ 1,2 trilhão entre janeiro e maio, recorde para o período. “O governo terá que cortar gastos. As chances de o equilíbrio das contas ser alcançado pelo aumento da carga tributária são baixas, especialmente em um contexto em que a maioria legislativa do Executivo não é substantiva”, avalia o cientista político Carlos Pereira, professor da FGV. Para a economista Zeina Latif, o governo iniciou o mandato elevando gastos e criando novas políticas públicas sem antes realizar o ajuste fiscal necessário: “Para o ano que vem, a situação é de colapso. Não tem bala de prata. E, mesmo que tivesse, o contexto político é desfavorável. O governo terá que fazer um contingenciamento forte, talvez até rever políticas como Pé-de-Meia e Vale-Gás.” O cálculo da gestão petista é eleitoral. Auxiliares de Lula dizem que o momento é de insistir na tese de “colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda”, fala usada desde a campanha de 2022. Levantamentos internos encomendados pelo Planalto apontam que há adesão na população do discurso de taxar os mais ricos, o que é visto como uma chance de encontrar uma marca para o terceiro mandato. Líder do PL no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ) avalia que a derrota do Planalto no IOF reflete os equívocos na condução econômica. “Já advertimos isso. O governo só pensa em coletar impostos e atinge todo mundo, inclusive os pobres. E se recorrer ao STF para reverter o IOF, vai arriscar ainda mais a sua governabilidade, piorando sua relação com o Congresso.” Como mostrou O GLOBO, cortes no Orçamento já vêm afetando o cotidiano de instituições públicas, como agências reguladoras, universidades federais, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e as Forças Armadas. Há ainda no horizonte ameaças aos investimentos, já que as despesas obrigatórias amarram cerca de 90% do montante de que a União dispõe. Um relatório do Banco Mundial afirma que ajuste nas contas deve ser em torno de 3% do Produto Interno Bruto, enquanto a Instituição Fiscal Independente (IFI) afirmou que o ritmo atual de crescimento das despesas torna o arcabouço fiscal insustentável.
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