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Economia

Tarifaço é “a lei de Murici: cada um por si”, diz Luís Otávio Leal, da G5 Partners

- 08/04/2025 4 Visualizações 4 Pessoas viram 0 Comentários
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O mundo entrou numa nova era de incertezas a partir da adoção das tarifas recíprocas pelos Estados Unidos e os impactos mais pesados disso só devem aparecer ao longo dos próximos meses. Os EUA correm um risco de estagflação [que combina queda na atividade econômica com inflação mais pesada] e a China terá de escoar seu excedente de produção para algum lugar, o que pode gerar uma guerra econômica global. “Como diziam os antigos, é a lei de Murici: é cada um por si”, afirma Luís Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, em entrevista ao InfoMoney.

Essa nova configuração deve criar problemas para o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) em suas decisões de política monetária, que pode ter de baixar os juros para evitar problemas financeiros nas empresas.

“Qual seria o primeiro efeito que a gente vai ter dessas tarifas? Um impacto inflacionário de bens. Os bens que vão continuar sendo demandados pelos americanos vão custar mais caro (…). Qual o segundo efeito? Talvez até as coisas aconteçam concomitantemente: os preços ficam mais caros e diminui a demanda”, analisa.

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Nessa configuração, o Brasil, em especial o Real, tende a sofrer o impacto de duas “forças ruins”, segundo Leal. “A primeira é o movimento de aversão a risco. Em qualquer momento de aversão a risco, que foi o que aconteceu na sexta-feira, vamos ver o real perder valor. Outra questão que está prejudicando os ativos de mercados emergentes é o medo de uma desaceleração muito grande das commodities”, explica.

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Sobre o futuro, o economista é cético sobre os resultados de reindustrialização buscados por Donald Trump. “O que ele está falando para a sociedade americana é: a gente vai parar de vender música no Spotfy e vai começar a produzir CD. A economia americana é uma economia de serviços. (…) Hoje em dia, bem é um meio para vender serviço”, avalia.

Veja abaixo a entrevista, na íntegra:

InfoMoney: Dá para precisar o quanto o mundo mudou desde a semana passada, quando Donald Trump anunciou as tarifas retaliatória?

Luís Otávio Leal: A gente ainda não sabe qual é esse novo mundo. O que Trump fez na quarta-feira da semana passada é que, basicamente, ele implodiu todo o sistema econômico que foi criado pelos próprios Estados Unidos a partir da 2ª Guerra Mundial. A partir do momento em que ele rasga todas as regras aceitas multilateralmente no comércio internacional, agora – como diziam os antigos – é a lei de Muricy: é cada um por si. Como escrevi em nosso artigo semanal, a gente entrou no “hiperespaço econômico”. A gente não sabe qual vai ser essa nova ordem. Só que tem algumas pistas sobre o que vai acontecer.

IM: Quais são essas pistas?

LOL: A própria estrutura das duas principais economias do mundo. Se pegar um estudo nosso, baseado num estudo do Deutsche Bank, os EUA consomem 29% de todos os bens produzidos no mundo. E eles produzem só 15%. Por outro lado, a China produz 32% de todos os produtos do mundo e consome apenas 12%. A primeira conclusão que a gente chega é que EUA e China, apesar de todas as rusgas que tiveram na última década, têm uma relação quase simbiótica. Todo o excesso de produção que tem na China é basicamente consumido pelos Estados Unidos.

IM: Como a China conseguiu manter essa relação?

LOL: O Trump já tinha posto tarifas no primeiro mandato dele. Só que a China começou a usar os países do Sudeste Asiático como plataforma para exportar para os EUA, quase numa triangulação. Então, em termos práticos, a China continuou exportando para os EUA, só que através do Camboja, através do Vietnã – que teve uma das tarifas mais elevadas de todas. Basicamente, o terceiro maior déficit americano é com o Vietnã: são US$ 123 bilhões de déficit. De onde vêm esses produtos todos que são exportados para os Estados Unidos? Da China. Então, mesmo com as tarifas do primeiro mandato, ainda existia uma relação simbiótica entre China e EUA, só que usando satélites para fazer a venda. Só que praticamente inviabilizou a compra de produtos chineses pelos Estados Unidos [após as novas tarifas]. E boa parte desses satélites que foram usados também tiveram tarifas, o que torna proibitivo usar Camboja, Laos, Vietnã como plataforma de exportação.

IM: E o que pode acontecer a partir de agora?

LOL: Os Estados Unidos, nesse momento, estão naquele dilema de botar um pé 45 num sapato 38. Apesar da vontade do Trump de aumentar a manufatura nos Estados Unidos, isso não acontece de um dia para o outro. Aqueles 15% que eles produzem de produtos mundiais vão continuar muito próximos dos 15%, no curto prazo. E os 29% de consumo, num primeiro momento, vão continuar no mesmo patamar.

Então, qual seria o primeiro efeito que a gente vai ter dessas tarifas? Um impacto inflacionário de bens. Os bens que vão continuar sendo demandados pelos americanos vão custar mais caro – ou não vão existir. Vão diminuir a oferta desses bens. Qual o segundo efeito? Talvez até as coisas aconteçam concomitantemente. Os preços ficam mais caros e diminui a demanda. Então, ao invés do 15% subir para próximo de 29%, é mais provável no curto prazo que os 29% se aproximem do 15%. Por isso que a gente fala que o cenário mais factível para os EUA é um cenário de estagflação. Porque os EUA consomem mais do que produzem. Consequentemente, ele vai ter de continuar importando, só que importar mais caro.

IM: O que pode amenizar isso?

LOL: Essa expectativa de desaceleração da economia mundial, por causa da redução do comércio internacional, está derrubando o preço das commodities. A gente já viu desde quarta-feira o preço do petróleo cair US$ 10 e, nos EUA, é preço internacional [direto] para a bomba. Então, pode ter um aumento do preço dos bens, que pode ser meio que compensado pelo preço da energia. Esse é caso Estados Unidos.

IM: E a China?

LOL: A China vendia grande parte do excedente de produção para os EUA, direta ou indiretamente. Com o mercado americano fechado, vai ter que direcionar o excesso de produção para algum lugar. Aí é o grande potencial de ter uma guerra comercial. Se as tarifas recíprocas – que de recíprocas não têm nada – foram o estopim, a pólvora é a China. A partir do momento que a China tiver que desovar essa produção excedente, mesmo que tenha prejuízo, os outros países vão reagir. O grande risco de um cenário de guerra comercial generalizada no mundo vai vir dessa segunda derivada que é a China inundando o mundo de produtos e os países se defendendo dessa invasão de produtos chineses a baixo custo. E qual vai ser a reação da China? Vai retaliar esses países que vão botar tarifas contra ela? É um cenário possível de acontecer e, nesse cenário, a gente vai ter uma redução do comércio internacional brutal.

IM: Esse cenário teria algum paralelo na história, como a década de 1930?

LOL: Não digo como na década de 30 porque ali não foi só a guerra comercial. Teve um erro de política monetária global, que não acho que vai acontecer dessa vez. Mas certamente vai ter um cenário de crescimento menor no mundo. Os bancos centrais não vão repetir o que foi feito [nos anos 1930], que junto com um aumento tarifário, apertaram a política monetária. Se eles aprenderam alguma coisa com o passado, é que é melhor não repetir. Ia repetir o mesmo cenário: uma contração do comércio internacional por causa de aumento de tarifas acompanhada por um aperto das condições monetárias. Aí, daria para pensar num cenário bem mais duro de queda do crescimento mundial.

IM: Com os Estados Unidos crescendo menos, até com risco de recessão, e com riscos para a inflação, como vai ficar o trabalho do Fed? Para qual lado eles vão olhar?

LOL: Apesar do discurso do Powell [Jerome Powell, o presidente do Fed] na sexta-feira sobre o impacto das tarifas não ser tão temporário assim — ao contrário do que ele tinha falado na entrevista pós-reunião do Fomc –, e até pelo “track record” [histórico] dele, num cenário em que tenha ainda uma inflação com alguns itens subindo e outros caindo, e a economia entrando em recessão, acho que ele baixa os juros. Hoje [segunda-feira] diminuiu essa probabilidade. Se a gente tivesse um cenário igual ao da quinta e de sexta-feira, com queda de 4% ou 5% na Bolsa, até podia colocar no preço que ele ia fazer uma reunião extraordinária para reduzir os juros.

Uma queda muito grande da economia americana acaba tendo dois efeitos que, no final, pesam a balança para cair os juros. Como ele [o Fed] tem o duplo mandato, de manter o máximo de emprego e a inflação sob controle, o que ia desempatar era o risco de ter problemas financeiros. Se tivesse uma queda muito grande da atividade, poderia começar a suscitar problemas em empresas e isso podia acabar gerando um risco sistêmico por conta de bonds não pagos, etc.

Obviamente que é o pesadelo de qualquer banqueiro central ter um cenário de estagflação, mas acho que o Powell tem um viés de preferir sustentar a economia e combater a inflação mais na frente.

IM: No ano passado, o mercado brasileiro já foi inundado por automóveis elétricos chineses. Isso pode piorar?

LOL: Acho que um Sung Plus [o carro híbrido plug-in da BYD que combina motor elétrico e a gasolina] a R$ 100 mil não dá para descartar não. Para a China, é questão de sobrevivência escoar esse excesso de produção. E ela tem um problema insolúvel ainda do estouro de bolha no mercado imobiliário. Há dois anos que o preço dos imóveis só cai e 70% da poupança do chinês é em imóveis. Tem uma queda da confiança do consumidor da China e, consequentemente, do consumo, brutal. A não ser que eles façam um salvamento geral, de comprar apartamentos a valor de face, ou uma reforma da previdência para garantir uma rede social. Se a China não resolver esse problema de consumo, vai continuar com um excedente de produção muito grande e vai ter de escoar para algum lugar.

IM: Num cenário tão adverso, a política fiscal dos países pode ficar menos responsável, como aconteceu após a crise de 2008/2009 e na pandemia de Covid-19?

LOL: Acho que, num cenário mais estressado, em que tenha uma desaceleração da economia mundial, a gente vai ver o que viu em 2008, o que viu na época da pandemia, que é uma coordenação entre política monetária política fiscal expansionista. Não é o cenário ainda. A gente passou pelo momento do susto. As tarifas do Trump foram anunciadas com o mercado praticamente fechado, ou seja, tiveram impacto na quinta-feira. Na sexta-feira, teve a notícia da China retaliando e teve outra rodada de piora. Na quinta-feira, os ativos brasileiros passaram praticamente incólumes, inclusive o dólar foi para R$ 5,60. A gente ainda está esperando as consequências. Há um movimento de muita incerteza e, no mercado, incerteza significa não saber o preço das coisas. Na semana passada, a taxa [dos títulos] de 10 anos nos EUA chegou a 3,80%, foi a 4,21% [na tarde de segunda-feira], era a taxa que estava na terça-feira. Será que essa é a taxa? O problema vai ser a atividade e não a inflação? Não sei.

IM: Dá para prever uma tendência para o câmbio no Brasil com esse ambiente tão incerto?

LOL: Vai depender muito de a poeira baixar. Para o real, tem duas forças ruins batendo nele. A primeira é o movimento de aversão a risco. Em qualquer momento de aversão a risco, que foi o que aconteceu na sexta-feira, vamos ver o real perder valor. Outra questão que está prejudicando os ativos de mercados emergentes é o medo de uma desaceleração muito grande das commodities. Na sexta-feira, quando a China anunciou a retaliação, o dólar australiano caiu quase 5%. A Austrália não é um país emergente, só que é vendedor de commodities. O petróleo caiu US$ 10 em três dias e o minério de ferro está em queda. Para o dólar voltar a R$ 6,30, acho precisaria acontecer mais alguma coisa, mas voltar rapidamente para aqueles R$ 5,60 que vimos na quinta-feira também é difícil.

Tem um lado que ajuda o real. Se efetivamente o Fed olhar mais para a questão da atividade e menos para a questão da inflação e começar a cair os juros, o diferencial de juros entre Brasil e EUA vai aumentar muito. No Brasil, a gente pode até dizer que o Banco Central não vai muito além de 15%, mas também não vai começar a cair os juros logo. Por enquanto, essa piora dos R$ 5,70 para R$ 5,91 foram dos dois movimentos: aversão a risco e preocupação com preço de commodities.

IM: A recessão nos EUA é mesmo inevitável?

LOL: Já tem casas boas indicando que cenário mais provável é de recessão nos EUA e o tracking do Fed de Atlanta está mostrando uma queda de mais de 1% do PIB americano no 1º trimestre, mesmo com as tarifas começando no 2º trimestre. Porque a pior coisa para uma economia é a paralisia, a pior coisa é não saber o que vai acontecer. É como momento em que você ia levar uma chinelada da sua mãe: você nem corria, só se protegia para ver se batia num lugar que doesse menos. Isso é o que aconteceu com a economia americana desde fevereiro: paralisou esperando a chinelada. Agora que o chinelo já bateu, vai chorar no quarto e, depois, vida que segue. A gente está na fase de estar chorando no quarto: vai ver o tamanho do estrago mesmo na economia americana a partir do terceiro trimestre. O primeiro e o segundo trimestres vão ser caracterizados pela paralisia, por fazer contas – como qual o custo de mudar a produção da China para a Índia. Teve cálculos de que essas tarifas em cima da China iam aumentar em 30% o preço do iPhone 16 nos EUA, por exemplo. A partir do terceiro trimestre, a gente vai começar a ver a vida como ela é.

IM: Tem alguma chance dessa produção que, ao longo dos anos, migrou para fora, voltar aos Estados Unidos, como deseja Donald Trump?

LOL:  Chance sempre tem, mas de qualquer maneira os Estados Unidos vão estar piores do que antes. Por quê? O que ele está falando para a sociedade americana é: a gente vai parar de vender música no Spotfy e vai começar a produzir CD. A economia americana é uma economia de serviços. Apesar de ela ter um déficit grande na balança de bens, tem um superávit de mais de US$ 330 bilhões na balança de serviços. Você não compra o celular para fazer ligação, compra pelo serviço que ele tem dentro, um banco, joguinho, filme em streaming. É isso que você compra. Hoje em dia, bem é um meio para vender serviço. Você não compra uma TV que não seja smart. O que ele está propondo para a sociedade americana é voltar a ser uma sociedade que vai produzir camisa. Quer transformar uma sociedade altamente tecnológica numa sociedade manufatureira. Quer operário e não engenheiro de software.




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